Em pouco menos de dois anos como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes teve de lidar com a eleição mais disputada desde a redemocratização e o aumento da violência política.
A passagem de Moraes pela Corte termina daqui a pouco menos de um mês, em 3 de junho.
Antes, na próxima terça-feira (7), haverá a eleição que definirá a ministra Cármen Lúcia como nova presidente do TSE, sucessora de Moraes no posto — ele permanece no cargo até o começo de junho. Caberá à ministra comandar as eleições municipais de 2024.
Integrante titular da Corte desde 2020 e presidente a partir de agosto de 2022, Moraes emplacou um endurecimento das normas contra a propagação de notícias falsas e desinformação nas redes sociais, diante de um cenário de falta de regulamentação sobre as novas tecnologias e de intensificação do uso da internet para ataques.
O ministro ainda conduziu aquela que seria a eleição mais disputada desde a redemocratização. O processo eleitoral de 2022 levou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao seu terceiro mandato e deixou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível até 2030.
O pleito foi marcado também por aumento da violência política, com casos de mortes relacionadas ao contexto eleitoral, uma relação conturbada entre militares e o TSE, pedidos de ruptura institucional e manifestações em quartéis.
Prestígio na posse
Cerca de 2 mil pessoas, entre as quais quatro ex-presidentes, 40 representantes de embaixadas estrangeiras, 14 ministros de governo, 20 governadores e autoridades dos Três Poderes da República participaram da cerimônia de posse de Moraes na presidência do TSE, em 16 de agosto de 2022. Faltavam então pouco mais de 40 dias para a eleição.
A demonstração de prestígio dada à solenidade foi a primeira marca da gestão do ministro no comando da Justiça Eleitoral.
Moraes herdou de seus dois antecessores, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, um ambiente já carregado de questionamentos à urna eletrônica e ao sistema de votação.
As duas gestões anteriores também alternavam altos e baixos na relação com o Ministério da Defesa pela atuação das Forças Armadas como uma das entidades autorizadas a fiscalizar as eleições.
Militares
Uma semana depois de empossado na presidência, Moraes recebeu o ministro da Defesa, Paulo Sérgio. Ex-comandante do Exército, o titular da pasta no governo Bolsonaro protagonizou um movimento de fazer reiterados questionamentos ao TSE sobre o processo eleitoral e de pressionar a Corte a atender sugestões das Forças Armadas para auditoria das urnas.
Ao fim das tratativas – que envolveu uma outra reunião com as respectivas áreas técnicas dos órgãos, Moraes acolheu uma das propostas dos militares como um “projeto piloto” para uso de biometria no teste de integridade da urna.
Quase um ano depois, em setembro de 2023, Moraes excluiu as Forças Armadas do rol de entidades aptas a participar da fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação.
“Não se mostrou necessário, razoável e eficiente a participação das Forças Armadas. Demonstrou-se absolutamente incompatível com as atribuições constitucionais, e também a participação na comissão de transparência eleitoral”, disse, na ocasião.
Fake news
Em um contexto turbulento nas redes sociais, com ataques e disseminação de desinformação, o TSE aprovou uma resolução ampliando seus poderes sobre conteúdos publicados na internet.
Proposta por Moraes, a norma foi votada e confirmada por todos os integrantes do tribunal a dez dias do segundo turno do pleito.
O texto endureceu o combate a notícias falsas nas redes sociais e deu mais agilidade ao processo de retirada de conteúdos falsos que pudessem comprometer o processo eleitoral.
A preocupação com o tema permanece. Em fevereiro deste ano, Moraes cobrou Congresso sobre uma regulação das redes sociais e disse que o TSE faria sua regulação de big techs.
Semanas depois, o tribunal aprovou resoluções para as eleições de 2024 com uma inédita regulamentação do uso de inteligência artificial (IA) e um aumento na responsabilidade das chamadas big techs.
O cerco ao compartilhamento de notícias falsas na internet não é de agora. Ainda antes de assumir a presidência da Corte eleitoral, Moraes teve participações importantes em julgamentos sobre o assunto.
Um dos mais emblemáticos foi o que cassou o mandato do deputado estadual do Paraná Fernando Francischini, o primeiro político a perder o mandato por divulgação de notícias falsas na internet, ainda em 2021.
No ano seguinte, o ministro fez uma espécie de alerta para o pleito de 2022 que se aproximava. Citando o precedente da Corte, declarou que “notícias fraudulentas divulgadas por redes sociais e que influenciem o eleitor acarretarão a cassação do registro” do candidato.
A preocupação com o uso da internet para ataques, discursos de ódio e manipulação do debate público com uso de mentiras foi central em 2022. Para Moraes, o mundo estava “desprevenido” para a atuação do que chama de “milícias digitais”.
Eleições
O processo eleitoral de 2022 foi marcado pelo aumento da violência. Ao menos cinco pessoas morreram no Brasil em situações relacionadas à política nos três meses que antecederam o pleito.
Segundo levantamento da Anistia Internacional divulgado na véspera do primeiro turno, no período, foram registradas 42 violações de direitos humanos em contexto eleitoral.
O dia definitivo da eleição presidencial, 30 de outubro, também guardou momentos de tensão pela ameaça representada pelas operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em ônibus que levavam eleitores às urnas, no dia do segundo turno.
Veiculados pelas redes sociais, vídeos mostravam blitze da corporação, principalmente no Nordeste, com bloqueios em rodovias de cidades onde o então candidato Lula teria vantagem contra Bolsonaro.
Moraes convocou o então diretor da PRF, Silvinei Vasques, para ir pessoalmente à sede do TSE explicar as operações.
Vasques foi preso depois pelo episódio e é investigado em um inquérito relatado por Moraes no STF.
O resultado do pleito foi confirmado pelo TSE pouco antes das 20h. Moraes deu uma entrevista coletiva na mesma noite ao lado de autoridades, como ministros do Supremo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Augusto Aras, então procurador-geral da República.
Protestos
A partir do dia seguinte, manifestações em rodovias começaram a ser registradas em protesto à vitória de Lula. Os atos contavam, principalmente, com a participação de caminhoneiros.
Pelo STF, o ministro despachou determinações de desbloqueio imediato das vias, com imposição de multas de R$ 100 mil por hora para donos de veículos que estivessem sendo usados em bloqueios, obstruções ou interrupções.
Nas semanas seguintes, manifestações passaram a se concentrar no entorno de quartéis pelo país. Em Brasília, um acampamento foi montado nas imediações do Quartel-General (QG) do Exército.
O acampamento do QG do Exército reunia caravanas de diversas partes do Brasil e tinha infraestrutura de apoio, com tendas e barracas de alimentação, oração, fornecimento de energia, e banheiros.
Os acampados ostentavam faixas e bradavam palavras de ordem de teor golpista e inconstitucional, como intervenção militar, destituição dos ministros do STF e questionamentos sobre o resultado da eleição.
Em dezembro, a tensão aumentou na capital federal com ameaças e violência. No dia 12, data da diplomação de Lula no TSE, manifestantes queimaram carros e ônibus na região central do plano piloto. Na véspera de Natal, houve a tentativa de explodir uma bomba em um caminhão-tanque nas proximidades do aeroporto.
A tranquila posse de Lula com show na Esplanada dos Ministérios e nenhuma ocorrência, em 1º de janeiro, seria abalada sete dias depois, com os ataques de 8 de janeiro.
No STF, Moraes deu as primeiras decisões judiciais sobre o caso ainda na noite de 8 de janeiro, como a que afastou o governador reeleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e a que mandou prender em flagrante todos que estivessem acampados em quartéis.
Relator dos inquéritos sobre o caso, nos meses seguintes o ministro autorizou diversas ações da PF e da PGR.
Os desdobramentos continuam até hoje. Mais de 200 pessoas foram condenadas por invadir e depredar as sedes dos Três Poderes. O grupo que instigou os atos e foi preso em frente ao QG teve a possiblidade de fechar acordos com a PGR. Até o momento, 172 foram fechados. Nenhum financiador dos atos foi julgado até hoje.
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