Foto: Gilson Abreu/AEN
As discussões relacionadas à desoneração da folha de pagamento de 17 setores que mais empregam no Brasil se transformaram em um jogo de poder entre o Executivo e o Legislativo. O governo Lula quer extinguir o programa de desoneração e enfrenta a resistência do Congresso. O programa foi criado em 2011 sob a lógica de manutenção de empregos, mas se transformou em política de evasão fiscal sob a pressão de lobbies privados e com a anuência de deputados e senadores.
Para André Roncaglia, doutor em Economia do Desenvolvimento e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o embate entre o governo Lula e o Congresso Nacional deverá acabar em uma saída política possivelmente não alinhada com o interesse coletivo se o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir pela manutenção do programa.
“Agora a questão foi judicializada exatamente porque não se trata mais de uma questão técnica, mas, sim, de um jogo de força. Do ponto de vista da política pública, evidentemente é um valor grande que faz falta”.
Potencialmente, segundo as últimas estimativas, os recursos que deixam de ir para os cofres públicos estão entre R$ 17 e R$ 20 bilhões. “É óbvio que isso no contexto da tentativa de fechar o déficit, de zerar o déficit, é algo que faz bastante diferença”, diz Roncaglia.
Segundo o professor da Unifesp, o tema das desonerações foi objeto de discussão e rejeição por parte dos economistas desde o início, “principalmente pela forma como a política foi implementada”.
“Do ponto de vista teórico, uma desoneração pode, de fato, contribuir com a formação e manutenção de empregos se isso for uma contrapartida da política”, explica Roncaglia.
Lobbies
As desonerações começaram em 2011, durante o governo de Dilma Rousseff (PT). “Com um número muito restrito de setores, era uma política que fazia sentido. Eram setores muito ligados à área de tecnologia da informação, que acabavam sofrendo de uma maneira direta com o processo de desaceleração da economia global”, registra Roncaglia. Para ele, naquele momento, os poucos setores que tinham recebido o benefício seguiam uma lógica de política pública.
A situação virou um problema quando, a partir daí, a política de desoneração se tornou irrestrita e os lobbies e o Congresso entraram em ação. “Vários setores começaram a pressionar o governo para ampliar a participação e o alcance do programa. Depois, o Congresso acabou perenizando a desoneração por meio de sucessivas renovações”, destaca o professor.
Na época, 56 setores acabaram sendo contemplados pelo programa de desoneração da folha. O governo Dilma chegou a conseguir a redução em meio a uma série de pautas-bomba do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, hoje no PTB. Michel Temer (MDB), que tomou a presidência após o golpe que derrubou Dilma, reduziu a 17 o total de setores contemplados com as desonerações.
Para Roncaglia, o programa de desoneração tem sido aplicado há muito tempo sob argumentos de manutenção empregos. Mas, hoje, possivelmente há uma atuação das empresas por intermédio de seus lobbies para reduzir a empregabilidade na busca de margens de lucro maiores, cogita o economista.
“Os dados não corroboram aquilo que os setores, evidentemente por meio dos seus lobbies, defendem; e a extinção desse programa faz todo sentido”, defende.
O que pode acontecer
Esse é também o entendimento do governo. Por isso, Lula enviou proposição para se encerrar a política de desoneração da folha dos 17 setores econômicos remanescentes da política criada por Dilma. Com a oposição do Congresso, a extinção foi parar no STF. Na opinião de Roncaglia, “a tendência é que saia uma decisão no sentido de equilibrar e sopesar os lados, como costumam dizer os ministros da Corte”. No entanto, o economista duvida que a eficácia dessa política pública sobreviva e o saldo deve ser uma corrida para mitigar os prejuízos, caso o Supremo mantenha a desoneração.
Nesse caso, a luta política não será apenas no sentido de colocar um teto quantitativo para essas desonerações, mas também estabelecer um prazo de validade que não seja renovável, projeta.
No caso de uma negociação com o Congresso, com “cabeças frias” prevalecendo na discussão, o caminho pode ser algo similar ao que ocorreu com o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). “Um orçamento total, no caso do Perse, de R$ 15 bilhões. Uma vez atingido esse valor ao longo de três anos, o programa é extinto. Vamos ver se existe capital político no governo para conseguir emplacar isso”, aponta.