A busca por uma educação antirracista é uma tarefa de todas as pessoas. Independentemente de serem negros ou brancos, uma escola composta por pessoas verdadeiramente engajadas com o processo educativo não deve ignorar essa dimensão, fundamental para entender o Brasil e o mundo.
Em conversa com o Porvir, Daniel Bento, diretor-executivo do CEERT (Centro de Estudo das Relações do Trabalho e da Desigualdade), discutiu a importância de valorizar os referenciais já existentes dentro dessa temática, como é o caso das Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação das Relações Étnico Raciais, de 2004, e que foi pensada como um mecanismo de apoio à implementação da Lei 10.639/03.
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Daniel ressalta que este documento traz sugestões de abordagens da questão racial em diferentes áreas do conhecimento, como algo que não fica restrito às áreas de humanidades como história ou língua portuguesa.
Ele ainda cita que este comprometimento com a luta antirracista demanda uma busca por referenciais já existentes, assim como um engajamento em exigir das secretarias apoio em recursos e materiais.
Daniel participará da mesa sobre educação antirracista no Encontro com o Porvir, neste sábado, 4 de maio, na Camino School, em São Paulo (SP). O evento vai reunir educadores de diversas áreas de atuação e de localidades distintas do país e culminará na entrega do Prêmio Professor Porvir, que reconhece práticas inovadoras.
Confira destaques da entrevista:
Porvir – Qual o papel das pessoas brancas na luta antirracista?
Daniel Bento – Entendo que as pessoas brancas têm um papel importante até porque, historicamente, em diversos setores da sociedade, são elas que estão com “a caneta na mão”. No caso de educadores e gestores de escola, que estão literalmente passando o que são os conceitos da educação para para as relações étnicorraciais, cada vez mais o embate na educação antirracista tende a aumentar.
Atualmente, solicita-se aos municípios que demonstrem, por exemplo, a diminuição das desigualdades raciais e socioeconômicas para ter acesso a determinados recursos do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, um fundo destinado à educação básica pública composto por recursos provenientes de impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, e é uma das principais fontes de financiamento para a educação básica no Brasil).
São complementações de uma legislação mais recente. E isso vai se tornar cada vez mais comum. Aqui, claro, estou falando das escolas públicas, mas nas escolas privadas também há uma pressão maior da comunidade escolar para que essa educação seja impulsionada, validando o assunto em termos de cultura institucional na escola.
Porvir – É uma luta que precisa ser de toda a sociedade?
Daniel Bento – Entendo que a gente tem um cumprimento da lei como premissa e não há como entender o problema do racismo, sobretudo nas escolas, como um problema de negros – esse, infelizmente, foi um caminho que por muito tempo a gente teve aqui no Brasil.
Hoje – e cada vez mais no mundo do trabalho de uma forma geral e no mundo da educação também –, há uma compreensão mais consolidada, mas que ainda é preciso destacar que esta é uma discussão e uma questão da sociedade brasileira e não somente das pessoas negras. Isso vai ser fundamental para que a gente tenha uma mudança com amplitude necessária, que reconheça a educação antirracista dentro do entendimento de que é educação como um direito público subjetivo, ou seja, um direito que todas as pessoas têm condições de cobrar do Estado, que é pulverizado em todas as pessoas e protagonizado pela sociedade brasileira.
Quando a gente pensa esse lugar da educação refletindo a sociedade, portanto, as pessoas brancas são fundamentais no sentido de que esta luta não é uma luta da população negra é uma luta que precisa ser da sociedade brasileira para uma educação antirracista, uma educação que seja igualitária para todas as pessoas.
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Porvir – Como tornar a questão racial uma pauta mais transversal?
Daniel Bento – É importante a gente relembrar que nós temos Diretrizes Curriculares Nacionais para Implementação da Educação para as Relações Étnicoraciais, diretrizes essas que vêm do período em que a Lei 10.639/03 foi aprovada, e da lavra de uma das principais pensadoras negras que nós temos, a professora Petronília Gonçalves, da Universidade Federal de São Carlos, uma referência. Ela escreveu o parecer que foi culminar na resolução do Conselho Nacional, ou seja, nessas diretrizes.
Ela traça como é que na matemática, na física, na história, na língua portuguesa, enfim, a gente deve ter a abordagem deste conteúdo da educação antirracista ali traduzida para a educação das relações etnicorraciais. Já existem projetos muito interessantes em curso. Na matemática, por exemplo, podemos juntar história para falar sobre as Pirâmides no Egito e trazer a contribuição negra, do continente africano.
Muitas vezes, o Egito é tratado como não africano, como não negro. Isso é parte do racismo. Mas o país é tido como um dos berços da civilização ocidental. Por exemplo: nós temos o uso da matemática de forma muito avançada. Pitágoras quando foi fazer o teorema visitou o Egito, ele foi aprender com os matemáticos de lá. Só para dar um exemplo de como é possível você trazer várias dimensões enquanto a gente discute interseccionalidade e interdisciplinaridade.
Porvir – O que os educadores precisam ter em mente ao se engajar na luta antirracista?
Daniel Bento – É preciso ter em mente que existe um instrumental disponível. Quando eu falo das Diretrizes Curriculares Nacionais, há um trabalho de muito tempo e de muito acúmulo de muitos intelectuais do movimento negro. Pessoas que vêm pensando isso a partir da academia – não só negras, brancas também – com contribuições importantes nesse território. Fúlvia Rosemberg, por exemplo, é uma delas que falava muito na educação infantil deste lugar antirracista, falava da escola como um lugar em que havia a expulsão negra, ela não falava nem de evasão.
Esse referencial está disponível e temos cada vez mais uma retomada tanto do ponto de vista normativo, como também do ponto de vista de experiências tanto de gestão escolar, quanto de práticas pedagógicas, do fazer pedagógico. É preciso procurar esse referencial em organizações e cobrar dos municípios, das secretarias acesso a recursos.