Por Patricia Mota
Guedes
Os dados do Censo
Escolar 2023 – e o fato de contarmos com suas séries históricas – suscitam
análises que qualificam o debate sobre a educação básica no Brasil e mostram
fatores importantes para a proposição e acompanhamento de políticas públicas.
São informações valiosas quando olhamos
especificamente para a expansão e a qualidade
da educação integral em tempo integral, presente no Plano Nacional de
Educação (PNE) vigente, e uma das pautas prioritárias do atual governo
federal.
Um exemplo é como
insumo para acompanharmos o ritmo e alcance da expansão. Em julho do ano
passado, o Ministério da Educação (MEC) iniciou o programa Escola em Tempo
Integral com o objetivo de estimular a permanência e aprendizagem de crianças e
jovens por período igual ou superior a 35 horas semanais – uma média de sete
horas por dia – nas redes estaduais e municipais. O Censo nos mostra que temos
21% dos estudantes da educação básica matriculados em tempo integral, um número
bem próximo ao da meta do PNE, de 25% dos alunos até o fim de 2024. Por outro
lado, nem toda etapa de ensino chegou a esse patamar. No Fundamental são 14,9%
dos estudantes. Na Pré‐Escola, o percentual fica em 14,2%. Será essencial
acompanharmos essa evolução, assim como em que medida ela é ofertada
prioritariamente para aqueles que mais precisam.
Outro exemplo é o
mapeamento de uma tendência preocupante, que a educação integral em tempo
integral, com qualidade, pode ajudar a reverter: a taxa de migração dos
estudantes do ensino regular para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O
perfil etário dos alunos na EJA está mudando conforme se avança na trajetória –
do 1º ao 5º ano, a idade mediana é 48 anos; entre o 6º e o 9º ano, 26 anos, e
no Ensino Médio, 23. Logo, temos mais jovens que adultos nessa etapa, sendo, em
sua maioria, alunos com histórico de repetência e abandono na escola regular.
A transformação da
escola em um local interessante para os adolescentes é um desafio que requer
formação e apoio técnico aos gestores e professores. Mas não apenas, já que
ainda exige que todas as instâncias unam forças para propor uma escola mais
sintonizada com as adolescências, voltada ao desenvolvimento das suas
diferentes dimensões cognitivas, emocionais, sociais, físicas e éticas. Pouco
ou nada adianta ofertar mais tempo do mesmo, se as aulas forem desinteressantes
e sem espaço para engajar os estudantes.
Mais recentemente, Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação),
CONSED (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e MEC uniram forças para
o desenho de uma política nacional em prol dos Anos Finais, voltada a uma
Escola das Adolescências, que pode contribuir diretamente nesse sentido.
O Censo Escolar
apresenta ainda outro importante dado que se articula com a educação em tempo
integral: a forma como diretores das escolas públicas são escolhidos. A seleção
de gestores escolares precisa incluir critérios técnicos. Afinal, é um papel
estratégico liderar a implementação dessa proposta na escola, garantindo que os
recursos sejam alocados de forma eficiente, os professores colaborem entre si e
sejam apoiados adequadamente, o currículo de fato amplie as oportunidades de
aprendizagem, e as necessidades
específicas dos alunos, sejam atendidas de maneira eficaz. Embora com
crescimento de 5,7% em relação ao ano de 2022, nas redes municipais 45,8% dos
gestores ainda são escolhidos exclusivamente por indicação ou nomeação da
administração.
Felizmente,
iniciativas como a complementação VAAR (Valor Aluno Ano Resultado), criada pela
Lei do novo Fundeb, em 2020, oferecem uma oportunidade promissora de promover
uma seleção mais acertada, que virá a contribuir para os desafios de gerir uma
escola de educação integral em tempo integral. A lei prevê escolhas baseadas em
parâmetros técnicos de mérito e desempenho ou contando com a participação da
comunidade escolar. Em 2023, o VAAR distribuiu R$1,6 bilhão e, em 2024, a
expectativa é que chegue a R$3,3 bilhões.
Estas são reflexões
que reforçam a importância dos dados no debate educacional e, mais
especificamente, a relevância do Censo Escolar. No Seminário Interministerial
sobre Educação em Tempo Integral, realizado em 9 de abril pelo MEC, as diversas
experiências brasileiras e de países da América Latina trouxeram os múltiplos
desafios de implementação, como a equidade na alocação das matrículas de tempo
integral; o currículo e as mudanças nas práticas e culturas escolares; as condições de seleção, trabalho e formação
docente, assim como de investimentos na infraestrutura, transporte e
alimentação escolares – além do próprio monitoramento dessas políticas e
programas.
Só o acompanhamento
da implantação das políticas permite ajustes necessários, na medida em que a
política se desdobra na vida real, em cada secretaria de Educação, em cada
território. Nesse sentido, os dados do Censo Escolar seguirão sendo um conjunto
importante de evidências para o monitoramento e aprimoramento contínuo do
avanço da educação integral com qualidade para cada e toda criança, adolescente
e jovem no Brasil.
Patricia Mota
Guedes – Superintendente do Itaú Social, mestre em Políticas Públicas pela
Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, e em Administração Pública pela
Universidade de Massachusetts Amherst, graduada em Ciências Políticas pela
Universidade do Arizona do Norte.