A economia é uma “ciência” ingrata. Nas palavras do historiador Thomas Carlyle, uma dismal science (ciência sombria), uma disciplina do conhecimento em que, com frequência, defrontamo-nos com escolhas amargas e consequências negativas de certas decisões necessárias. É inevitável lembrar essas reflexões ao pensar sobre nossas tendências demográficas.
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Nas projeções do IBGE, para cada pessoa no conjunto de indivíduos de 60 anos e mais, em 2024 há 4,0 pessoas no grupo de 15 a 59 anos. Em 2050, essa relação cairá para a metade (2,0). Pense o leitor numa mudança que ocorra de uma geração para outra, em que a geração aposentada seja sustentada pelos filhos e não pelo governo. Numa geração, um casal tem dois filhos.
Se o homem morrer mais cedo, a viúva, na velhice, será sustentada por eles e a conta será dividida em duas partes.
Na geração seguinte, os casais têm um filho. Na velhice, se o padrão de o homem partir mais cedo se repetir, a viúva será sustentada pelo único filho, e o peso financeiro sobre este será o dobro que na geração anterior.
Agora passemos da família para o país. Em 2019, o Brasil fez uma reforma previdenciária muito importante. Porém, por razões compreensíveis naquelas circunstâncias, tendo que fazer escolhas difíceis para viabilizar a aprovação do “coração” da reforma, o governo optou, na ocasião, por privilegiar aquilo que era essencial no contexto.
E o essencial, naturalmente, era impedir a proliferação das aposentadorias aberrantemente precoces que se verificavam até então.
Isso quer dizer que a reforma foi importante à luz das regras extremamente benevolentes de aposentadoria que existiam no Brasil. Entretanto, se na Constituição de 1988 o país tivesse adotado regras mais razoáveis, a reforma de 2019 teria sido irrelevante. Por quê? Porque continuamos tendo regras que não são compatíveis com as tendências demográficas em curso.
Por isso, para estimular o debate sobre o tema, com meus colegas O. Sidone e G. Tinoco escrevemos o artigo “Política previdenciária e equidade de gênero: Propostas para uma maior efetividade”, publicado como Texto para Discussão número 12, do Ibre/FGV, disponível no portal do Ibre.
Em 2019, a idade de aposentadoria para as mulheres passou de 60 para 62 anos, e a diferença entre gêneros caiu de 5 para 3 anos. Foi um passo na direção certa.
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Porém, em 1988, quando foi a aprovada a Constituição, estabelecendo o requisito de idade de 60 anos para as mulheres, estimava-se que, nessa idade, a sobrevida média de uma pessoa do gênero feminino fosse de 18 anos. Hoje, aos 62 anos, a sobrevida média de uma mulher é de 22 anos.
Mesmo com o aumento de 2 anos na exigência etária, o benefício pago pelo INSS tem uma duração esperada 4 anos maior que há três décadas e meia.
Itamar Franco, quando presidente, dizia que “os economistas olham os números, mas nós temos que olhar as pessoas”. É uma forma demagógica de se esquivar de tomar decisões. É como se uma mãe dissesse que “o médico olha para a doença, mas eu olho para o sentimento do meu filho” e em nome disso se recusasse a vacinar este.
Por mais bondosa que a pessoa seja, ela não estará sendo uma boa mãe com esse raciocínio. Algo análogo ocorre com os governantes: há decisões difíceis que precisam ser tomadas.
O Censo de 2022 revelou que, de cada 100 brasileiros, 51 são mulheres. Na faixa etária de 65 anos ou mais, porém, essa proporção é de 57%. No grupo dos nonagenários, de cada 3 pessoas, 2 são mulheres. A figura do “beneficiário do INSS” tende a ser, cada vez mais, uma figura feminina.
Por isso, quando nos próximos anos uma nova reforma previdenciária entrar novamente na agenda, reduzir ligeiramente a diferença de gênero de 3 anos da regra de 2019 é algo que terá que ser parte da pauta.
A despesa do INSS em 2024 será da ordem de R$ 920 bilhões, e ela irá voltar a estrangular o espaço para as demais políticas públicas. Em algum momento, será preciso retomar esse debate.