As lições que Nova Orleans pode dar para o Rio Grande do Sul
Nova Orleans, nos Estados Unidos, é conhecida como o berço do jazz e, mais recentemente, de ser um símbolo da resiliência. Depois do furacão Katrina, um dos maiores desastres naturais que os americanos já viram, a missão de reconstrução foi árdua e demorou muito tempo.
Em 2005, Katrina matou mais de 1.500 pessoas no estado da Louisiana, cerca de 600 estavam em Nova Orleans, que ficou 80% debaixo d’água.
A guia de turismo brasileira Maria Fernanda Moreira recorda como foi a tragédia. “Eu senti que, meu Deus, eu perdi tudo”, fala.
O ex-militar Sonny Brown conta que a sensação foi apocalíptica.
“Foi um pesadelo. Eu vi corpos na água. Pensei que o mundo estava acabando mesmo. Tinha casas pegando fogo, pessoas nos telhados, gritando por ajuda”, recorda.
A água cobriu bairros inteiros. Na região metropolitana, pelo menos 100 mil pessoas não atenderam a ordem para sair antes do furacão.
O pesquisador da Universidade de Tulane Reggy Ferreira explica que mortes poderiam ter sido evitadas com um mapeamento de risco.
“É muito importante saber onde estão as populações vulneráveis para que recursos cheguem até elas”, fala.
O furacão passou longe de Nova Orleans, mas provocou chuvas, ventos e outras condições que causaram inundações. Isto porque a cidade é cercada de água por todos os lados. O sistema de diques, construído 100 anos antes, com grandes muros de contenção não resistiu.
O que foi feito depois da tragédia?
Desde 2006, foram investidos mais de US$ 14 bilhões entre doações e dinheiro público – o valor corresponde a mais de R$ 70 bilhões – no sistema de proteção contra furacões e inundações.
Os diques, agora, dão a volta completa na cidade e, em alguns trechos, o muro ficou quase 5 metros mais alto. E toda a estrutura foi reforçada.
“Mudamos todos os projetos por muros mais robustos e resistentes. E, na parte de terra, nos certificamos de que a argila dos diques não tem resíduos vegetais para que resista à erosão. É o que chamamos de blindagem”, explica o porta-voz do Corpo de Engenharia do Exército Americano, Ricky Boyett.
Em 2021, os diques passaram no teste durante a passagem do furacão Ida, de categoria quatro, em uma escala que vai até cinco. O Katrina variou entre cinco e três.
A nova rede de bombeamento de água que tinha falhado em 2005, agora funcionou.
O Fantástico foi até uma das obras mais importantes depois da passagem do Katrina. São torres de bombas de água, cada uma delas ligada a um sistema que evita que água entre na cidade e suga para fora toda a inundação. Ao todo, são três estações, cada uma com três bombas.
Durante a inundação do Katrina, a burocracia atrasou em quatro dias a aprovação da ajuda militar. Assim, os alimentos demoraram a chegar aos bairros atingidos.
O que fez diferença foi uma grande rede de solidariedade.
“Disseram que Nova Orleans nunca se recuperaria. E aqui estamos, uma cidade vibrante, mas tem sido também um caminho difícil”, conta ao Fantástico William Stoudt, que era um adolescente voluntário em 2005 e se tornou o diretor de uma ONG que trabalha para reconstruir casas.
“É realmente importante que ajudemos uns aos outros. Esta foi uma das grandes lições apreendidas com o Katrina, foi o que trouxe Nova Orleans de volta”, completa.
Após o Katrina, a população de Nova Orleans encolheu 20% com 100 mil habitantes que foram embora por não ter mais onde morar.
Além dos prejuízos financeiros, a preocupação com a saúde mental virou uma realidade na cidade. Segundo Reggie Ferreira, as cicatrizes de tragédias como essa demora anos para ir embora.
“Os impactos dos desastres duram muito tempo. Já faz quase vinte anos e as pessoas ainda têm ansiedade, depressão, entre outras doenças”, diz.
A Maria Fernanda sofre de longe pelo Rio Grande do Sul e vê a própria história como uma mensagem de otimismo.
“Naquela época, eu não via luz no fim do túnel, sabe? Mas hoje em dia eu vejo que a gente supera, a gente tem dentro da gente. É nossa esperança”, diz.
“Eu sinto muito pelas pessoas no Brasil, eu não preciso imaginar, eu sei como elas se sentem, eu vivenciei isso. As coisas vão melhorar. Não vai ser um caminho fácil, mas vão melhorar”, fala o ex-militar Sonny Brown.