A recente alta do dólar tem deixado economistas em alerta sobre um possível novo patamar da moeda americana, o que pode trazer reflexos sobre os preços ao consumidor, juros e investimentos no país. A divisa encerrou ontem a R$ 5,32, a cotação máxima do ano, com alta de 1,42%. É o maior patamar desde janeiro de 2023. No ano, a moeda americana acumula alta de 9,72%.
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Instituições financeiras que estavam mais otimistas começaram a revisar contas, e algumas já esperam um câmbio mais pressionado no fim do ano. Entre economistas, a avaliação é que há mais incertezas políticas e econômicas.
Ontem, um dos fatores que pressionou o dólar foi o dado de emprego nos Estados Unidos. A economia americana criou 272 mil postos de trabalho no mês passado, bem acima das projeções do mercado, de 180 mil, segundo a Bloomberg. Isso aponta uma economia aquecida, o que deve levar o Federal Reserve (Fed, o BC americano) a adiar o corte de juros — e vai se refletir nas decisões do Banco Central brasileiro.
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A moeda americana até perdeu fôlego depois de o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ter afirmado que o “tempo vai jogar a favor” da autoridade monetária para a redução de ruídos que têm elevado as expectativas de inflação. Mas voltou a subir depois de uma reunião do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com agentes de mercado.
— Alguns ruídos fizeram com que essa expectativa de inflação desancorasse. A gente acha que ao longo do tempo esses ruídos devem ser atenuados ou revertidos — disse Campos Neto em evento em São Paulo.
Um dos possíveis ruídos seria a recente mudança da meta fiscal pelo governo, que suscitou dúvidas sobre o equilíbrio das contas públicas.
Alimentos e indústria
A alta do dólar tem impactos sobre a economia real: desde os preços dos alimentos, que podem ficar mais caros, até a decisão de um empresário investir ou não na atividade produtiva, por exemplo.
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Alexandre Maluf, economista da XP, explica que muitos dos produtos consumidos pelo brasileiro são afetados pelo câmbio. No caso dos alimentos, itens ligados ao trigo e ao leite e seus derivados podem ficar mais caros, já que o país importa parte desses produtos. Já no segmento de bens industriais, o dólar tem efeito direto nos segmentos de eletroeletrônicos e vestuário, explica Maluf.
Segundo o economista, o aumento dos preços pode demorar seis meses. Mas ele vê na recente depreciação do real um alerta para a inflação em 2025:
— Todos esses produtos industriais, de automóveis, vestuário a eletroeletrônicos, acabam sofrendo impacto de alta. O produto importado fica mais caro em reais, dada a depreciação. É um fator de preocupação para a inflação de médio prazo, se persistir esse grau de desvalorização.
Muito dependente da importação de bens de capital, a indústria de transformação também tende a sofrer com o dólar em patamar mais elevado. Já o setor agroindustrial, forte em exportação, beneficia-se de um real mais desvalorizado, pois sua receita é na moeda americana.
Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, diz que o cenário de câmbio mais pressionado pode acabar freando o ímpeto dos investimentos observado até agora. Padovani, que já trabalha com dólar a R$ 5,30 no fim deste ano desde o início de 2023, chama atenção para uma recente mudança no “equilíbrio econômico do país”:
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— Essa combinação de expansão fiscal, num contexto global de menos crescimento, leva a uma mudança no patamar do câmbio. Achamos que essa alta do dólar é sustentável e o dólar mais caro desestimula importações de bens de capital. Isso gera impactos sobre o consumo doméstico.
Outro ponto é a pressão maior sobre o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que se mostrou dividido em sua última reunião, quando parte do colegiado votou por um corte de 0,5 ponto percentual na Selic, e outra, por 0,25 ponto, a 10,5% — o voto vencedor.
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— Com isso (câmbio pressionado), é natural que o Banco Central e os mercados futuros de juros operem com taxas mais elevadas. Tudo isso gera um aumento de custo de capital na economia e faz com que a atividade se acomode em um ritmo de crescimento menor — diz Padovani.
‘Era para estar mais baixo’
O Itaú agora vê o dólar mais alto no fim do ano. O banco revisou sua projeção na terça-feira, de R$ 5 para R$ 5,15. Para 2025, a estimativa passou de R$ 5,20 para R$ 5,25. As justificativas são o ambiente externo desfavorável, como os juros nos EUA e o aumento do risco geopolítico.
Depois dos novos dados que mostram a economia americana mais aquecida, o Itaú só espera que o Fed reduza os juros em dezembro. No Brasil, segundo os analistas do banco, a Selic deve encerrar seu ciclo de queda em 10,25%. Antes, a expectativa era que caísse a 9,75%.
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o cenário para o câmbio só não é pior graças ao bom resultado das contas externas e às reservas internacionais. Ele vê o dólar em torno de R$ 5,10 em dezembro, estimativa que a consultoria mantém desde que o governo alterou a meta fiscal:
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— Esse câmbio era para estar muito mais baixo, entre R$ 4 e R$ 4,50. E não está nesse patamar justamente porque o fiscal não deixa. A gente não consegue sair muito desse nível.
Vale acrescenta que o cenário internacional também não colabora para apreciação do real, já que a perspectiva é de juros altos nos EUA por mais tempo e não se descarta uma vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais.
Numa postura mais cautelosa, a XP manteve a projeção de R$ 5 por dólar no fim deste ano, citando uma balança comercial “muito robusta” e contas externas “muito saudáveis”, diz Maluf.
Sérgio Goldenstein, estrategista chefe da Warren Investimentos, também vê o câmbio a R$ 5 no fim do ano. Ele considera ainda que a reação do mercado à divisão dos votos na última reunião do Copom foi exagerada:
— Não dá para dizer que esse novo patamar veio para ficar, vai depender muito do comportamento do ambiente externo.