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Instituições financeiras que estavam mais otimistas começaram a revisar contas, e algumas já esperam um câmbio mais pressionado no fim do ano. Entre economistas, a avaliação é que há mais incertezas políticas e econômicas.
Ontem, um dos fatores que pressionou o dólar foi o dado de emprego nos Estados Unidos. A economia americana criou 272 mil postos de trabalho no mês passado, bem acima das projeções do mercado, de 180 mil, segundo a Bloomberg. Isso aponta uma economia aquecida, o que deve levar o Federal Reserve (Fed, o BC americano) a adiar o corte de juros — e vai se refletir nas decisões do Banco Central brasileiro.
A moeda americana até perdeu fôlego depois de o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ter afirmado que o “tempo vai jogar a favor” da autoridade monetária para a redução de ruídos que têm elevado as expectativas de inflação. Mas voltou a subir depois de uma reunião do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com agentes de mercado.
— Alguns ruídos fizeram com que essa expectativa de inflação desancorasse. A gente acha que ao longo do tempo esses ruídos devem ser atenuados ou revertidos — disse Campos Neto em evento em São Paulo.
Um dos possíveis ruídos seria a recente mudança da meta fiscal pelo governo, que suscitou dúvidas sobre o equilíbrio das contas públicas.
A alta do dólar tem impactos sobre a economia real: desde os preços dos alimentos, que podem ficar mais caros, até a decisão de um empresário investir ou não na atividade produtiva, por exemplo.
Alexandre Maluf, economista da XP, explica que muitos dos produtos consumidos pelo brasileiro são afetados pelo câmbio. No caso dos alimentos, itens ligados ao trigo e ao leite e seus derivados podem ficar mais caros, já que o país importa parte desses produtos. Já no segmento de bens industriais, o dólar tem efeito direto nos segmentos de eletroeletrônicos e vestuário, explica Maluf.
Segundo o economista, o aumento dos preços pode demorar seis meses. Mas ele vê na recente depreciação do real um alerta para a inflação em 2025:
— Todos esses produtos industriais, de automóveis, vestuário a eletroeletrônicos, acabam sofrendo impacto de alta. O produto importado fica mais caro em reais, dada a depreciação. É um fator de preocupação para a inflação de médio prazo, se persistir esse grau de desvalorização.
Muito dependente da importação de bens de capital, a indústria de transformação também tende a sofrer com o dólar em patamar mais elevado. Já o setor agroindustrial, forte em exportação, beneficia-se de um real mais desvalorizado, pois sua receita é na moeda americana.
Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, diz que o cenário de câmbio mais pressionado pode acabar freando o ímpeto dos investimentos observado até agora. Padovani, que já trabalha com dólar a R$ 5,30 no fim deste ano desde o início de 2023, chama atenção para uma recente mudança no “equilíbrio econômico do país”:
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— Essa combinação de expansão fiscal, num contexto global de menos crescimento, leva a uma mudança no patamar do câmbio. Achamos que essa alta do dólar é sustentável e o dólar mais caro desestimula importações de bens de capital. Isso gera impactos sobre o consumo doméstico.
Outro ponto é a pressão maior sobre o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que se mostrou dividido em sua última reunião, quando parte do colegiado votou por um corte de 0,5 ponto percentual na Selic, e outra, por 0,25 ponto, a 10,5% — o voto vencedor.
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— Com isso (câmbio pressionado), é natural que o Banco Central e os mercados futuros de juros operem com taxas mais elevadas. Tudo isso gera um aumento de custo de capital na economia e faz com que a atividade se acomode em um ritmo de crescimento menor — diz Padovani.
‘Era para estar mais baixo’
O Itaú agora vê o dólar mais alto no fim do ano. O banco revisou sua projeção na terça-feira, de R$ 5 para R$ 5,15. Para 2025, a estimativa passou de R$ 5,20 para R$ 5,25. As justificativas são o ambiente externo desfavorável, como os juros nos EUA e o aumento do risco geopolítico.
Depois dos novos dados que mostram a economia americana mais aquecida, o Itaú só espera que o Fed reduza os juros em dezembro. No Brasil, segundo os analistas do banco, a Selic deve encerrar seu ciclo de queda em 10,25%. Antes, a expectativa era que caísse a 9,75%.
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o cenário para o câmbio só não é pior graças ao bom resultado das contas externas e às reservas internacionais. Ele vê o dólar em torno de R$ 5,10 em dezembro, estimativa que a consultoria mantém desde que o governo alterou a meta fiscal:
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— Esse câmbio era para estar muito mais baixo, entre R$ 4 e R$ 4,50. E não está nesse patamar justamente porque o fiscal não deixa. A gente não consegue sair muito desse nível.
Vale acrescenta que o cenário internacional também não colabora para apreciação do real, já que a perspectiva é de juros altos nos EUA por mais tempo e não se descarta uma vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais.
Numa postura mais cautelosa, a XP manteve a projeção de R$ 5 por dólar no fim deste ano, citando uma balança comercial “muito robusta” e contas externas “muito saudáveis”, diz Maluf.
Sérgio Goldenstein, estrategista chefe da Warren Investimentos, também vê o câmbio a R$ 5 no fim do ano. Ele considera ainda que a reação do mercado à divisão dos votos na última reunião do Copom foi exagerada:
— Não dá para dizer que esse novo patamar veio para ficar, vai depender muito do comportamento do ambiente externo.