Catástrofes como a do Rio Grande do Sul reforçam ainda mais a importância de uma política fiscal sustentável no médio e longo prazos para o setor público. A ideia, segundo economistas, é que contas públicas equilibradas permitem a expansão de gastos justamente em momentos como o atual – seja essa expansão usada para operações de Defesa Civil, reforçar programas sociais ou reativar a economia.
“O uso correto da política fiscal é para momentos de crise, não para estimular o crescimento o tempo inteiro”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. “É sempre importante em épocas de normalidade que a política fiscal esteja muito bem ajustada.”
Como mostrou o Valor, a equipe econômica do governo federal trabalhava na sexta-feira com três possíveis desenhos para implantar o Auxílio Emergencial direcionado para famílias do Rio Grande do Sul. A implantação do programa foi uma determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pretende anunciar a medida nos próximos dias.
A elaboração vinha, no entanto, esbarrando em restrições fiscais. De acordo com uma fonte, técnicos da equipe econômica estavam “quebrando a cabeça” para encontrar uma solução, dadas as limitações das contas públicas.
Para 2024, a meta de resultado primário para o governo federal é de déficit zero, com intervalo de 0,25 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para mais ou para menos. O intervalo de 0,25 ponto equivale a algo entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões.
Os ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento projetam atualmente déficit de R$ 9,3 bilhões, o equivalente 0,1% do PIB. Já a estimativa mediana do mercado, segundo a edição mais recente do Boletim Focus, é de resultado negativo de 0,67% do PIB. Ou seja: fora do intervalo de tolerância.
Na quinta-feira, o governo federal também anunciou medidas de apoio a famílias e empresas do Rio Grande do Sul, com potencial de injetar R$ 50,9 bilhões na economia gaúcha. As medidas terão impacto negativo sobre o resultado primário do governo central de aproximadamente R$ 7,7 bilhões, seguindo as regras que o decreto de calamidade e o arcabouço fiscal estabeleceram para as contas públicas da União. Assim, os R$ 7,7 bilhões serão excluídos tanto da meta de resultado primário quanto do limite de gastos estabelecido pelo arcabouço.
“Isso [gastos] coloca um peso a mais em uma situação já muito complicada, de déficit e dívida elevada”, afirma Vale. “Se o resultado primário estivesse mais forte, a gente poderia usar espaço fiscal sem causar maiores celeumas.”
A dívida bruta do governo geral (DBGG), considerada por diversos economistas o principal indicador do endividamento público, alcançou 75,7% do PIB em abril, segundo o Banco Central. O número é não apenas o mais elevado em dois anos como também está acima da média dos países emergentes. Mais grave ainda é que a trajetória prevista para os próximos anos é de alta. A Secretaria do Tesouro Nacional calcula que a DBGG só cairá depois de 2027, quando atingirá pico de 79,7%, sempre em relação ao PIB. Já a estimativa mediana de instituições financeiras, gestoras e consultorias para 2027 é que o indicador alcançará 84%, conforme divulgado em março pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Além das contas públicas federais, as estaduais em muitos casos, incluindo o do Rio Grande do Sul, estão em situação difícil. O alerta é feito pelo cofundador e presidente do conselho da consultoria 4intelligence e doutor em teoria econômica pela USP, Juan Jensen. O Rio Grande do Sul é um dos Estados que se encontram no Regime de Recuperação Fiscal da União. “O fato de os governos gaúcho e brasileiro serem altamente endividados limita a capacidade de o setor público ajudar em problemas como o que estamos vivendo”, diz.
Economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca destaca também que a tendência é que a necessidade de recursos públicos seja cada vez maior, à medida que as mudanças climáticas ficam mais evidentes. “Quando você perde a mão na qualidade do gasto, a vítima é o investimento em infraestrutura, e daqui para a frente haverá cada vez mais eventos climáticos que deixarão prejuízos importantes.”
Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), defende que o governo federal adote a partir de 2027 um novo modelo para as contas públicas. Nesse caso, seria estabelecido um teto que permitiria crescimento real das despesas primárias, que excluem juros com a dívida pública, de 1% a “no máximo” 2% ao ano. Esse crescimento variaria de acordo com uma trajetória para a dívida pública, estabelecida no segundo ano de governo para os quatro anos seguintes. Fora desse teto ficariam “única e exclusivamente créditos extraordinários”, como os necessários para prevenção e combate às catástrofes climáticas.
“Ninguém nega a importância de uma tragédia dessas”, diz ele, referindo-se às enchentes no Rio Grande do Sul.