A chegada a Caracas do assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, na noite de sexta-feira, gerou expectativa entre governos estrangeiros, que acompanham com preocupação a situação política na Venezuela, inclusive e especialmente pela escassez de observadores internacionais de peso para acompanhar o pleito deste domingo. Na tarde deste sábado, o presidente Nicolás Maduro convocou reunião, a partir das 17h (horário de Brasília), com embaixadores no Palácio de Miraflores, incluindo a brasileira, Glivânia Maria de Oliveira.
O conflito entre o governo de Nicolás Maduro, candidato à reeleição, e a União Europeia (UE), que se negou a suspender sanções contra o país como condição para ser uma das entidades observadoras, levou à decisão do governo venezuelano de desconvidar a missão do bloco europeu, enfraquecendo, nas palavras do próprio Amorim — que disse ao GLOBO compartilhar as razões de Maduro —, o processo eleitoral.
Restaram, como observadores de credibilidade internacional, o Centro Carter, dos Estados Unidos, e as Nações Unidas, com cujos representantes o enviado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou na capital venezuelana. Com este pano de fundo, comentaram fontes diplomáticas estrangeiras, Amorim se transformou numa figura central e cuja opinião sobre o processo, e posteriormente seu resultado, é aguardada por muitos.
A equipe do assessor internacional é ciente do peso que adquiriu a presença de Amorim, o único alto representante de um governo na Venezuela, e isso explica a extrema cautela com a qual ele está atuando no país. Também estão no país o ex líder espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, e os ex-presidentes Ernesto Samper, da Colômbia, e Leonel Fernández, da República Dominicana.
Sem encontro com os candidatos
Após ter sido recebido pelo chanceler venezuelano, Ivan Gil, pouco depois de ter aterrizado num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) no aeroporto internacional de Maiquetía, o ex-chanceler brasileiro arquitetou com seus assessores uma agenda de encontros em Caracas que evite o usado político pelos dois lados da disputa. Não haverá, antes da eleição, encontro de Amorim com Maduro ou com qualquer outro candidato.
Cada gesto, movimentação e declaração de Amorim será pensada com muito cuidado, pois o governo brasileiro acabou se transformando, como disse ao GLOBO outra fonte diplomática, “no principal representante da comunidade internacional no país”. O assessor internacional chegou à Caracas no mesmo dia em que ex-presidentes como o mexicano Vicente Fox e o boliviano Jorge Tuto Quiroga foram impedidos de decolar do aeroporto do Panamá, com destino à Venezuela. Na sexta-feira, também foram impedidos de entrar ao país integrantes de uma delegação que incluía nomes do Partido Popular da Espanha, de direita, senadores chilenos, argentinos e colombianos. O governo Maduro não quer a presença no país de atores diretamente vinculados com a oposição, sobretudo com a líder opositora María Corina Machado. Muitos destes dirigentes estrangeiros apoiaram abertamente sanções contra a Venezuela — algo que o governo Lula questiona enfaticamente —, o que os torna, como disse Maduro neste sábado, “persona non grata” em seu país. Mesmo sabendo, em muitos casos, que seriam barrados, os aliados internacionais de María Corina desafiaram o governo venezuelano, que reagiu como se esperava.
O chanceler da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, no momento em visita oficial ao Brasil, cogitou viajar para a Venezuela, mas, segundo fontes diplomáticas, recebeu o recado de que não seria bem-vindo. Murillo, que foi embaixador do país nos EUA, é visto com desconfiança pelo governo Maduro. Estava prevista a chegada à Caracas do vice-chanceler colombiano, Jorge Rojas Rodríguez, mas sua viagem foi adiada para a semana que vem.
Encontro cordial
Apesar da troca de farpas entre Lula e Maduro na última semana, fontes brasileiras afirmaram que o encontro entre Amorim e o chanceler venezuelano foi “cordial e muito bom”. O enviado do presidente brasileiro foi recebido, segundo as mesmas fontes, “sem qualquer tipo de tensão”. Na reunião, o representante do governo brasileiro buscou transmitir a importância da eleição venezuelana para a região e, especialmente, para o Brasil, disseram as fontes.
Entre diplomatas estrangeiros, a relação entre Brasil e Venezuela é observada com atenção, já que o governo Lula é visto hoje como um dos poucos que poderia, segundo uma fonte, “contribuir para que o processo eleitoral venezuelano não termine numa crise política”.
A equipe de Amorim ficou satisfeita com o encontro com observadores do Centro Carter, que tem longa trajetória em trabalhos em campo na Venezuela. O centro atua em processos eleitorais e políticos no país desde 2001, tendo participado, por exemplo, da comissão de diálogo entre o governo de Hugo Chávez e seus opositores naquele ano.
Em 2004, o Centro Carter acompanhou o processo que levou ao referendo sobre a continuidade de Chávez no poder. Naquele momento, o centro fundado pelo ex-presidente americano Jimmy Carter foi fundamental para convencer o líder bolivariano sobre a importância de submeter-se ao referendo, que venceu com 56% dos votos. A ONU observou as eleições regionais de 2021, e será, pela primeira vez, observadora de uma eleição presidencial no país.
Amorim também conversará com analistas políticos locais, e com representantes da oposição, como Gerardo Blyde, coordenador do diálogo com o governo Maduro por parte da oposição.