Antes mesmo do 1º de Maio, dia da festa do trabalhador que contou neste ano com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) num esvaziado evento organizado pelas centrais sindicais em São Paulo, a relação de seu governo com a nova classe trabalhadora já dava sinais de desacordo.
O projeto de lei apresentado pelo Executivo em março para criar direitos e regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativos, por exemplo, não foi adiante. No mês seguinte, o próprio governo retirou o regime de urgência do projeto diante das resistências, que ainda hoje parecem incontornáveis.
Os dois fatos evidenciam um certo deslocamento do governo e do sindicalismo com essa nova classe trabalhadora.
“Tem um problema de convocação, mas também tem um problema estrutural”, afirmou o sociólogo José Dari Krein, professor da Unicamp e dirigente do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit). “O 1º de Maio esvaziado reflete uma crise profunda que o movimento sindical está enfrentando. Ele está desafiado a repensar suas estratégias de ação e de organização”.
Dari Krein e outros especialistas no mundo do trabalho ouvidos pelo Valor reconheceram que a perda de representatividade do movimento sindical no Brasil não é nova, mas que acabou acentuada com a reforma trabalhista de 2017, do governo de Michel Temer, que acabou com a contribuição sindical obrigatória.
Segundo dados do próprio Cesit, da Unicamp, levantados com base no PNADC, houve uma redução da taxa de sindicalização no país, nos últimos dez anos, em torno de 40%. Mas a reforma trabalhista não explica sozinha essa perda de influência, que incide também em diversos outros países.
Alguns dos motivos são a expansão do setor de serviços, o desenvolvimento tecnológico e a globalização, fatores que sempre são levados em considerado ao se discutir a precarização do trabalho. Os sindicatos encontram dificuldades para se manter relevantes frente às novas demandas e para formular propostas atraentes aos novos trabalhadores que chegam a um mercado “uberizado”.
“É um problema mundial, discutido em diversos países: como reduzir a precariedade do mercado de trabalho e como aumentar a proteção dos trabalhadores”, afirma José Pastore, professor aposentado de relação do trabalho da faculdade de economia da Universidade de São Paulo (USP).
Pastore ressalta o perfil padrão dos jovens neste início de século XXI, que perpassa todas as classes sociais, de ser avessos a qualquer tipo de socioativismo, o que inclui os sindicatos – que no Brasil são a terceira instituição mais mal avaliada pelo Índice de Confiabilidade Social do instituto Ipec.
Os números reunidos pelo centro de estudos da Unicamp mostram que a taxa de sindicalização é extremamente baixa entre os jovens, com um queda de mais de 50% – na última década – entre os que têm entre 18 e 24 anos. É nessa faixa etária que estão muitos dos motoqueiros e motoristas que prestam serviço, respectivamente, para empresas como iFood e Uber.
“A redução dos sindicatos está ligada também ao crescimento do setor de serviços”, afirma Daniel Duque, pesquisar da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas. “Os sindicatos nasceram como uma resposta à organização do trabalho industrial, que é homogeneizado e de fácil organização. Ele é forte nesse contexto. O setor de serviços é heterogêneo, com tarefas mais distintas e uma organização de trabalho completamente diferente”.
Há “descompasso” dos sindicatos, presente também na postura do governo – cujo chefe, Luiz Inácio Lula da Silva, foi forjado nas greves do ABC na década de 1970. Para Dari Krein, esses atores ainda não conseguiram “repensar uma agenda comum na perspectiva de aglutinar esse mundo novo heterogêneo da classe trabalhadora”.
“O governo não fez uma mobilização com os trabalhadores de aplicativos para tentar discutir a melhor alternativa da regulamentação. Há certa crise na elaboração, o que propor”, diz Dari Krein.
Ele ressalta, no entanto, que, do ponto de vista das negociações coletivas, os resultados são mais favoráveis aos trabalhadores no período recente, com alta do número de categorias que conseguiram algum aumento real do salário.
José Pastore diz que o projeto de lei que está no Congresso tem uma grande virtude e um grande defeito. O primeiro aspecto é considerar esses trabalhadores como autônomos e incluí-los obrigatoriamente no sistema de previdência social. O erro, conta, é previsão de sindicalização obrigatória para todos eles. “É uma estratégia pouco realista, que deveria ficar para outro momento. Essa organização tem que vir de baixo para cima, e o não o contrário”, afirma.