DEBATE FUNDAMENTAL
A falta de integração plena entre os órgãos de investigação e a ausência de políticas públicas permanentes, que não tenham alteração em suas bases a cada mudança de governo, são dois dos grandes desafios da segurança pública brasileira.
Essa avaliação foi feita durante o seminário Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, organizado pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (Iree) e pelo IDP. O evento, promovido em Brasília, na sede do IDP, teve início nesta quinta-feira (6/6) e será encerrado nesta sexta (7/6).
O seminário conta com a participação de autoridades ligadas às polícias e ao Ministério Público, ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, ministros e ex-ministros de Estado e profissionais do Direito.
Integração e permanência
Segundo o advogado Walfrido Warde, presidente do Iree e doutor em Direito Comercial pela USP, é preciso produzir segurança pública em nível institucional, em contexto de permanência e de forma integrada.
“Precisamos de uma reforma constitucional da divisão de competências para a segurança pública. Não é possível pensar um projeto nacional de segurança pública no contexto de uma profunda desarticulação de meios humanos e materiais. Não é possível ter uma revolução na segurança pública a cada mandato. As organizações criminosas são mais estáveis do que os governos”, disse ele nesta sexta.
O Sistema Único de Segurança Pública (Susp), instituído em 2018, não se mostrou uma política eficaz, de acordo com Warde. Segundo ele, é necessária uma ação que integre as várias polícias para efetivar boas ideias, como o Susp, que não atingiram “o mínimo de eficácia”.
“O Susp é uma boa ideia que não atingiu o mínimo de eficácia. Não existe fora do papel. Não basta. É um grande enquadramento nacional para um plano de segurança, mas precisamos de alterações pontuais em matérias de segurança”, afirmou o advogado, que defendeu que haja uma reforma para dividir competências em matéria de segurança pública.
A ex-ministra da Agricultura e ex-senadora Kátia Abreu também defendeu a existência de políticas que não sejam alteradas a partir do gosto de quem governa.
“Um estado tem um governador, correto? Ótimo. E no dia em que não tiver? Temos de criar sistemas e regras para fazer com que tudo isso tenha uma governança em favor do cidadão.”
Sem sistema e sem política
Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública no governo de Michel Temer, participou do evento na quinta-feira. De acordo com ele, mesmo com o Susp, não é possível dizer que o Brasil tem um sistema nacional de segurança pública.
“Não temos sistema e não temos política. Temos planos. Só que a sobrevivência do plano é exatamente no tempo da sobrevivência do ministro da Justiça ou da Segurança.”
O ex-ministro disse ainda que a falta de políticas permanentes faz com que medidas sejam adotadas, muitas vezes, a partir de prioridades individuais.
“Simplesmente não existe possibilidade de coordenação ou enforcement a partir de Brasília. Imagine que ligo para um secretário de Segurança e digo: ‘A partir de agora a prioridade é crime de feminicídio’. Ele diz: ‘Obrigado’, e depois faz o que quer. Ele não me deve nada. Eu não tenho nenhuma liderança no sentido de enforcement. Nenhuma”, exemplificou.
Tarso Genro, ex-ministro da Justiça, sustentou que a integração das várias forças de segurança é necessária, inclusive entre o Brasil e outros países.
“Para combate eficaz e sistêmico das quadrilhas organizadas que controlam o subterrâneo das relações globais, seria necessário que tivéssemos pacto de segurança continental de natureza militar e policial para integrar os Estados nacionais dentro de um regime de colaboração.”
Sem vaidades institucionais
Mário Sarrubbo, secretário nacional de Segurança Pública, concorda com a necessidade de integração. Sem isso, defendeu ele, não haverá combate eficaz ao crime organizado.
“Se nós não nos despirmos de nossas vaidades institucionais e não trabalharmos de forma absolutamente integrada, se o Estado não se organizar, não vamos avançar no combate efetivo ao crime organizado”, afirmou ele. “É preciso que o Ministério Público Federal e os estaduais, que todas as polícias, estejam sentados à mesa de forma horizontal, cuidando e tratando informações de inteligência de forma profissional, sem barreiras e sem vaidades. Muitas vezes, em função da vaidade, informações não circulam e coisas deixam de acontecer.”
Lincoln Gakiya, promotor de Justiça que atua em São Paulo, concorda. Segundo ele, o crime organizado cresceu muito rapidamente e as instituições, isoladamente, não conseguem dar conta desse crescimento.
“Muito foi falado sobre cooperação e integração. E é disso que se trata. Os recursos são finitos e cada vez menores. As instituições já não dão conta de todas as atividades. O MP não deve se sobrepor ao papel das políticas. Temos de agir como força complementar ou agir juntos, de maneira conjunta e horizontal. O Judiciário precisa estar presente também nesses grandes eventos e precisa ser chamado para sentar à mesa também.”