Professores universitários estão entrando no quarto semestre DCGPT (depois do ChatGPT). E, a esta altura, já somos razoavelmente capazes de reconhecer um trabalho escrito pela — ou com forte ajuda da — inteligência artificial generativa, como ChatGPT, Copilot ou Google Gemini.
Textos que passam pela IA costumam ser mais bem estruturados, logicamente encadeados e sem erros gramaticais. É verdade que parecem um pouco com redações do Enem, sem muita personalidade e inevitavelmente com um parágrafo de conclusão. Mas dado que a) a aplicação dos conceitos é quase sempre correta e b) é virtualmente impossível cravar que o aluno usou uma IA, a nota de quem usa a tecnologia bem acaba sendo melhor, na média.
Se a IA é cada vez mais parte da vida, e é algo que os alunos certamente usarão em suas carreiras, é difícil chamar seu uso de “trapaça”. Até porque não são só eles que se aproveitam da tecnologia no ensino superior. Depois do pânico inicial, professores a usam na preparação de aulas, provas ou até correção dos trabalhos.
É um avanço, mas em certa medida também um autoengano. A dura realidade é que uma enorme parte dos instrumentos que professores do ensino superior usam hoje para verificar se um estudante aprendeu — como dissertações, trabalhos para casa ou em grupo — perdeu enorme parte da utilidade. Vivemos um “apocalipse da tarefa de casa”, como definiu Ethan Mollick, professor de Wharton e autor de um excelente livro sobre o tema, “Co-intelligence, living and working with AI”.
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Mollick argumenta que, se não mudarmos radicalmente o que entendemos como educação formal, caminhamos para usar a IA para avaliar se um aluno consegue usar a IA para fingir que aprendeu.
Para evitar esse cenário, algumas instituições estão aumentando as restrições: provas orais ou só com papel e caneta, sempre em sala, vigiada. Sem acesso a smartphones. Ou: para combater uma tecnologia disruptiva, nos agarramos ao passado.
Esse ímpeto, compreensível até, revela que não sabemos bem como avaliar estudantes num mundo balançado pela IA porque temos dúvidas mais profundas sobre o que exatamente devemos ensinar. E como.
Isso não começou com o ChatGPT. Gerações mais jovens não têm muitos momentos de dúvida. Se não sabem, “dão um Google”. Ou abrem um vídeo no YouTube e TikTok em busca de um tutorial. O conhecimento na palma da mão não é novidade — o Google é de 1998, smartphones são ubíquos há uma década entre alunos universitários. E, mesmo assim, os currículos ainda dão bastante ênfase ao aprendizado de fatos, pessoas e conceitos — coisas a um wi-fi de distância.
A boa notícia é que já temos algumas instituições brasileiras experimentando com IA para criar material didático específico a cada classe ou aluno, dependendo da necessidade pedagógica. Tutores-GPTs individualizados, que, em vez de dar a resposta diretamente, engajam o estudante num diálogo socrático, começam a ser usados em cursos de escolas selecionadas.
São iniciativas salutares que, espero, sejam só o início de algo maior. O advento da IA é uma imensa oportunidade de repensar a educação como um todo. Afinal, se o conhecimento e até o raciocínio podem ser terceirizados para máquinas, o que devemos aprender para avançar a humanidade?
Ninguém tem essa resposta. Pensamento crítico, lógica, trabalho em equipe, comunicação, sensibilidade artística, empatia… Há uma enorme lista de soft skills que parecem boas candidatas. O currículo poderia então deixar de ser protagonista, para ser um meio de ensinar e praticar as habilidades que não poderão ser perfeitamente substituídas por máquinas. Ainda.
Como tecnologia primária — tipo eletricidade ou internet —, a inteligência artificial promete tocar todos os aspectos da nossa vida. Seus impactos já são sentidos na universidade. É esse público que mais frequentemente usa a tecnologia, de acordo com pesquisa recente da Quaest/GloboNews. Se quisermos ser protagonistas dos rumos dessa revolução, precisamos não apenas observar, mas também guiar o que acontece aqui.
*Pedro Burgos, jornalista e programador, é mestre em jornalismo social pela City University of New York, professor do Insper e fundador da Co.Inteligência, consultoria em IA