A crise que hoje ocorre no Rio Grande do Sul tem sido corretamente tratada como uma crise climática. Mas o que isso quer dizer — e que lições desta crise devem ficar para o futuro?
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O clima é um sistema complexo, sendo muito difícil estabelecer a causalidade da mudança climática sobre qualquer evento em particular. Mas o que os climatologistas conseguem afirmar definitivamente é que eventos extremos (de muita chuva e muita seca, por exemplo) devem ocorrer com maior frequência à medida que a temperatura do planeta aumenta.
Ou seja, se chuvas similares à atual ocorriam a cada 80 a 100 anos (como a enchente de Porto Alegre de 1941), elas agora devem ocorrer em intervalos menores.
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Além disso, uma importante lição da pesquisa econômica sobre esse tema é que os custos de aumentos grandes da temperatura média do planeta não são capturados por uma simples extrapolação das relações históricas entre economia e temperatura. Isso porque existem limites críticos em que as perdas se tornam mais relevantes.
Resumindo os estudos existentes para a revista Science, os economistas Marshall Burke, Solomon Hsiang e Edward Miguel mostram que a produtividade dos trabalhadores se mantém estável até aproximadamente 30°C e cai a partir daí. O mesmo ocorre com a produção agrícola.
A ideia é que, a partir de determinado limite, as condições ambientais e infraestruturais deixam de estar adaptadas a cada atividade. Aumentos pequenos que não cruzam determinado limite não têm muito impacto, já aumentos maiores, sim. Por isso, a frequência de eventos extremos importa.
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Para entender essa lógica dos extremos: se chover 10 vezes mais que a média histórica, os custos associados à chuva vão ser mais de 10 vezes os custos habituais. A partir de determinado limite, a infraestrutura elétrica, de drenagem e de transporte é muito mais afetada, e as perdas crescem exponencialmente.
Tudo isso aponta para a necessidade de medidas de adaptação à realidade da mudança climática. Há alguma evidência de que a capacidade de adaptação pode limitar os efeitos de eventos extremos.
Por exemplo, os pesquisadores Esha Zaveri, Richard Damania e Nathan Engle mostram que secas extremas levam a perdas de produção econômica muito grande em países em desenvolvimento, mas não em países ricos, pois estes conseguem se adaptar melhor a tais eventos.
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Além disso, o trabalho do Nobel de Economia William Nordhaus indica que o valor necessário para mitigar as perdas geradas por cada tonelada adicional de carbono emitida (chamado de “custo social do carbono”) aumenta à medida que a temperatura do planeta sobe.
No Brasil, pensou-se em um plano de adaptação às mudanças climáticas relativamente cedo. Contudo, parte relevante desses esforços acabou podada por interesses políticos.
Em 2013, chegou ao governo o economista ambiental Sérgio Margulis, com longa carreira no Banco Mundial. Junto a Marcelo Neri, ele montou uma equipe para pensar as adaptações necessárias na infraestrutura, logística e políticas públicas brasileiras antes de 2040. A ideia era traçar planos para a adequação de portos, da infraestrutura urbana e da matriz energética à mudança climática.
Parte do trabalho envolvia o uso de simulações computacionais para projetar temperatura e chuvas. A maior parte dos cenários sugeria mais secas no Norte-Nordeste e mais chuvas no Sul-Sudeste.
Mas a técnica esbarrou em um empecilho político: projetava-se uma redução da capacidade em boa parte das hidroelétricas do país. Isso, num momento em que a presidenta Dilma capitaneava megaprojetos como a Usina de Belo Monte.
O resultado: Neri acabou substituído por Mangabeira Unger, que exonerou Margulis e sua equipe. Segundo entrevistas recentes de Natalie Unterstell, diretora do programa Brasil 2040 à época, os estudos nunca foram divulgados de forma integral pelo governo. Ou seja, o que incomodava acabou engavetado.
Muito se discute sobre as falhas de governo mais óbvias em meio a esta tragédia. Mas aquelas que talvez sejam ainda mais consequentes ocorreram anos atrás, com a negligência das políticas de adaptação por vários governos.
A tragédia climática que ocorre hoje é primordialmente uma tragédia humana. O mais importante é mobilizar recursos para salvar vidas. Mas quando os restos sedimentarem, será necessário pensar em meios para adaptar o país, a economia e a vida a esta nova realidade de extremos.