Aluno que morreu depois de ser agredido dentro de escola sofria bullying há meses
Ao menos 40% dos estudantes brasileiros dizem ter sofrido algum tipo de bullying, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. Mas, afinal, o que é bullying, chamado na legislação brasileira também de intimidação sistemática?
- 💬 De acordo com o especialista Hugo Monteiro Ferreira, o bullying se característica quando se quer destruir aquilo que não é igual a você. “Aquilo que não é espelho, que não é seu semelhante”, diz.
“Meu filho era um garoto muito, muito doce. A vida dele era jogar no computador. Não saía para a rua, ficava só jogando”, diz Michele de Lima Teixeira, mãe de Carlinhos.
Nos últimos meses, a vida do menino mudou bastante. Ele saiu de um colégio e estava estudando na Escola Estadual Julio Pardo Couto, em Praia Grande, no litoral paulista.
Carlinhos contou para a mãe que achou a escola muito diferente da anterior e o motivo era a violência que acontecia lá dentro. Mas, por ser o maior da turma, queria ficar forte para poder defender os colegas menores dos agressores.
“Ele falou pra mim que não podia entrar no banheiro, porque quem vai para o banheiro apanha”, relata a mãe.
Pela primeira vez desde que perdeu o filho, Michele decidiu falar. Ela recebeu a equipe do Fantástico na casa de parentes porque não conseguiu voltar para a própria casa, onde vivia com Carlinhos, o marido e a filha.
Ela conta que o filho sofreu uma agressão física dentro da escola em março e, na ocasião, a família quis tirar ele de lá.
“Foi por causa de um pirulito. O menino arrancou da mão dele e, quando ele pediu de volta, o menino deu dois socos no nariz dele. O arrastaram pelo pescoço e foi para dentro do banheiro, onde fizeram aquele vídeo”, relata.
Carlinhos contava tudo à família. Os pais procuraram a direção do colégio, exigindo providências e falaram em tirar Carlinhos de lá.
“Ele falou assim: ‘Mãe, eu não quero sair porque eu sou o maior da minha turma’. Falava isso porque os amigos dele eram menores, pequenininhos, e ele era grandão pela idade que tem. Ele falou que queria defender os amigos. Ele falou: ‘mãe, eu quero ficar forte. Quero correr. Corre comigo’. Eu falei que ia correr com ele, mas não corri”, disse a mãe.
Carlinhos completou 13 anos dois dias antes da sua morte.
O adolescente estava dentro da sala de aula quando, segundo os pais, a constante perseguição chegou ao seu extremo: dois estudantes pularam com violência nas costas dele.
O pai de Carlinhos gravou um vídeo com o filho, já em casa. Nele o adolescente reclama de dores. “Quando eu respiro, dói as costas”, disse, aos prantos.
Os pais correram com o menino para o Pronto-Socorro Central de Praia Grande, administrado pela prefeitura. Ele foi atendido e liberado cinco vezes.
“Meu filho não fez um exame de urina, não fez nada. Meu filho gemendo por falta de ar, sem respirar”, relembra a mãe.
Ele foi levado, então, para outro posto de saúde municipal. Mas não melhorou.
A prefeitura informou que abriu um “processo administrativo para apurar os procedimentos adotados nos atendimentos. E se for constatada alguma irregularidade, as providências cabíveis serão tomadas”.
O adolescente foi internado na UTI da Santa Casa de Santos e, sete dias depois das agressões, teve três paradas cardíacas e morreu.
“Eu só estou aqui de pé por Deus porque eu sei onde o meu filho está. Meu filho está com Deus”, diz a mãe.
A polícia já ouviu dez pessoas. Entre elas, a vice-diretora da escola, professores e dois suspeitos, que são menores e estavam acompanhados de parentes.
Os investigadores já têm os nomes da maioria dos alunos que participaram das agressões contra Carlinhos. O inquérito apura se houve homicídio com dolo eventual, que é quando a pessoa assume o risco de matar.
A polícia aguarda o resultado da perícia, para definir o que ocasionou a morte.
“Falta definir se a morte se deu em decorrência dessas agressões que ele possa ter sofrido ou se foi uma causa independente”, diz o delegado Alex Mendonça.
A mãe diz acreditar que a culpa é da escola.
“Um adulto vê as crianças apanhando, não só o meu filho, e fechar os olhos, fingir que nada aconteceu”, fala.
Os estudantes suspeitos de agredir Carlinhos fazem parte de um grupo que já atacou outro aluno no banheiro da mesma escola.
“Foram sete pessoas: duas pegaram pelo meu braço e os outros cinco começaram a me bater. Lá não tem câmera. Eles têm um grupinho chamado ‘Grupinho do Terror’”, disse o estudante ao Fantástico. Segundo ele, a direção conhece o grupo e não faz nada por ter medo deles.
A mãe do aluno conta que o bullying começou desde que ele entrou na escola há pouco mais de 1 ano.
“Eu relatei várias vezes para a subdiretora, para pedagoga, para o diretor. Nunca ninguém tomou nenhuma providência. Eu já tirei o meu filho dessa escola e não quero mais ele por lá”, conta.
O menino conta que não quer mais sair de casa e que está apavorado com o que aconteceu.
Governo de SP diz que estudante saiu ‘aparentemente bem’ da escola
O gestor do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, Thomás Resende, diz que a pasta instaurou uma comissão para apuração dos fatos e eventuais responsabilidades.
“A gente está no início dos trabalhos, mas a realidade atual é de que nenhuma evidência, nem por vídeo monitoramento, nem por oitivas realizadas, trazem informação de que aconteceu alguma coisa dentro do ambiente escolar no dia 9 de abril.”
Segundo ele, a secretaria tem a imagem do estudante saindo da escola “aparentemente bem”.
Thomas diz que as escolas estão em processo de construção de um plano de convivência.
“A gente trabalha com a questão de proteção escolar, com a melhoria da convivência, que é sem dúvida alguma a nossa principal preocupação. Para que cada vez mais nós consigamos desenvolver esse estudante, a ponto de eles se perceberem pertencentes e colaboradores na construção desse ambiente escolar saudável”, completa.