Entre a carreira e a vida pessoal, o sonho de uma parte das atletas de alto rendimento se entrelaçam entre subir ao pódio e vivenciar a maternidade. Duas experiências que exigem esforços, prazeres, conquistas, suor e lágrimas.
Sonhos estes que muitas vezes não conseguem caminhar juntos durante a trajetória profissional. No Brasil, menos de 10% das atletas que foram medalhistas olímpicas tinham filhos quando subiram ao pódio.
O país acumula 37 medalhas olímpicas femininas, sendo compartilhadas por 123 mulheres (número maior devido aos esportes por equipes). Deste total, apenas dez já eram mães quando subiram ao pódio. Outras 44 tiveram filhos após a conquista das medalhas.
Atletas brasileiras vivem dilema entre maternidade e disputa por medalha olímpica
As dificuldades em conciliar a maternidade e a carreira profissional em esportes de alto rendimento passam por diversos fatores. Além do receio com relação à retaliação e perda de patrocínios, existem os fatores físicos, emocionais, a falta de estrutura, apoio e suporte para que as mulheres consigam manter as atividades familiares e esportivas.
Uma das maiores jogadores da história do basquete brasileiro, Hortência vivenciou a maternidade durante as Olimpíadas de Atlanta, em 1996. Ao lado do filho João Victor Oliva, na época com cinco meses, a atleta se deparou com uma dura decisão: permanecer na companhia do filho ou seguir para a Vila Olímpica com as companheiras de equipe.
– Quando nós chegamos na porta da Vila Olímpica [me informaram]: criança não entra. Eu estava com a babá, com o meu marido na época e com o João. Eu tive que fazer uma escolha de entrar na Vila com as meninas ou ir para o hotel com o João, o meu marido e a babá – relembrou.
Parece que tinham arrancado o meu coração quando eu vi o João indo para um lado e eu fui para o outro. Eu chorava, chorava. Nunca senti uma dor tão forte como aquela. Mas eu tinha que passar por aquilo, a decisão tinha que ser aquela – Hortência
Em Paris 2024, Carol Solberg participará da primeira Olimpíada da sua carreira. No vôlei de praia junto com a dupla que forma com Bárbara Seixas, Carol vai aos jogos acompanhada da torcida dos filhos José, de 12 anos, e Salvador, de oito.
– Eu sempre quis ir para uma Olimpíada. Sempre sonhei, sempre almejei isso, e eu sempre quis ser mãe também. Essa corrida Olímpica eles fizeram muito parte, acompanhando ponto a ponto. Sabiam da importância que isso tinha pra mim. É uma grande confusão coordenar a vida deles, os torneios, mas essa é a nossa vida, é como eu sou a mãe que eu posso ser – declarou.
Já passei por muitos momentos difíceis de saudade, lidar com isso, mas eu converso muito com eles. Eu faço questão de falar o quanto eu amo jogar, o quanto eu adoro jogar vôlei e o quanto o vôlei abre as nossas portas também. É uma confusão, mas é uma delícia – Carol Solberg
Carol, inclusive, que seguiu os passos da mãe Isabel Salgado ao manter a gravidez durante o período de atividades. Isabel tornou-se um ícone no esporte pelas sua carreira dentro e fora das quadras, mas também ao decidir permanecer atuando durante a gravidez.
Além de Carol Solberg no vôlei de praia, Érica Sena representará o Brasil nas Olimpíadas de Paris pela Marcha Atlética. A pernambucana é mãe de Kylian, de quase dois anos.
Bicampeã olímpica em Pequim 2008 e Londres 2012, Fabi Alvim seguiu o sonho da maternidade após encerrar a carreira como atleta no voleibol.
– Quando você pega o histórico das atletas que conseguiram ser mães e voltar a jogar em alto rendimento, você conta nas mãos. Não é orgânico, não é natural você fazer um esporte de alto rendimento, ter sonho de disputar uma olimpíada e ainda sim conquistar o desejo de ser mãe – explicou.
Mãe de Maria, de 4 anos, a ex-atleta chama atenção para os impasses enfrentado pelas mulheres no esporte de alto rendimento, que buscam conciliar a maternidade e permanecer na carreira.
O que eu acho que a gente tem que ampliar é esse diálogo: por que não dá? por que não pode ser na hora que a gente tiver o desejo? a gente tá sempre planejando e postergando esse desejo por conta de algumas nuances do trajeto de se tornar atleta de alto rendimento – Fabi Alvim