O debate sobre uma mudança nas regras constitucionais que preveem pisos de gastos com Saúde e Educação avança entre os técnicos do governo federal. Mesmo sabendo que uma decisão sobre o assunto depende da área política, integrantes da equipe econômica alertam que atualizar essas regras é necessário para evitar um estrangulamento das despesas discricionárias — ou seja, os gastos do governo federal que não são obrigatórios, como custeio da máquina pública e investimentos.
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Os técnicos analisam opções, entre elas uma nova regra para corrigir os gastos com Saúde e Educação que, se adotada, abriria uma folga de R$ 190 bilhões nas despesas discricionárias do governo ao longo dos próximos dez anos.
Se nada for feito, o espaço para despesas não obrigatórias, que tem previsão de R$ 104,9 bilhões em 2026, chegará a 2028 com apenas R$ 11,8 bilhões — o que na prática levaria a uma paralisia no governo federal.
Antes da entrada em vigor do arcabouço fiscal — regra que hoje ordena as contas públicas do país, aprovada pelo governo Lula em 2023 —, o teto de gastos, criado pelo ex-presidente Michel Temer, havia determinado que os pisos de Saúde e Educação fossem corrigidos, ano a ano, apenas pela inflação. Com o fim do teto de gastos, voltaram a valer as previsões constitucionais para despesas com essas rubricas.
Sustentabilidade
Assim, a partir de agora, os gastos com Saúde precisam representar ao menos 15% da receita corrente líquida do governo federal. E os com Educação devem ser de 18% da receita líquida de impostos. É isso que está previsto na Constituição. Mas esta regra representa uma bomba para o atual arcabouço fiscal, que prevê que as despesas totais do governo devem crescer entre 0,6% e 2,5% acima da inflação a cada ano.
Como Saúde e Educação são um percentual fixo das receitas, a tendência é que esses gastos cresçam de participação no bolo total, comprimindo as demais despesas discricionárias.
Por isso, os técnicos da equipe econômica defendem que, pelo menos, a mesma regra aplicada ao conjunto de despesas no arcabouço fiscal — ou seja, expansão entre 0,6% e 2,5% acima da inflação a cada ano — seja adotada também na Saúde e na Educação.
Seria uma solução de foco no médio e longo prazo. Com esta regra, até o fim do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o espaço adicional para despesas discricionárias seria mínimo, de R$ 3 bilhões. O ganho total de R$ 190 bilhões se consolidaria no futuro. Mas seria condição para a sustentabilidade do regime ao longo do tempo, nota um técnico da equipe econômica.
No limite, a máquina pública para ou a atual regra de despesas não sobrevive, alertam os integrantes da equipe econômica. A avaliação é que é necessária uma mudança estrutural nas despesas, já que a correção de distorções ou o fechamento de brechas, como fraudes, não devem ser suficientes. Ainda mais considerando que o desenho do arcabouço fiscal estimula a busca por novas receitas, como tem sido feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Benefícios sociais
Um integrante do governo ressalta que toda vez que o Executivo corre para aumentar a receita, todas as despesas crescem o equivalente a 70% da alta real da arrecadação (essa é uma das regras do arcabouço). O problema é que os pisos, como são vinculados à receita, crescem muito mais, comprimindo os demais gastos.
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Reduzir os pisos é muito difícil, por isso é importante conter seu crescimento, na visão de integrantes da área técnica do governo. E quanto mais tempo demorar, maior será o tamanho dos pisos dentro do bolo total de despesas.
Conforme cálculos do Ministério do Planejamento, o gasto com o piso da Saúde deve crescer 38% até o fim do governo, em 2026, ante o ano passado, para R$ 238,5 bilhões. No caso da Educação, a alta será de 79%, para R$ 119,2 bilhões. Em 2023, foram empenhados R$ 172,8 bilhões e R$ 66,4 bilhões, respectivamente, nessas rubricas. A conta considera as despesas obrigatórias, discricionárias e as emendas impositivas relacionadas aos mínimos.
Com isso, em 2026, sobrarão R$ 104,9 bilhões para os demais gastos “livres”. Nos anos seguintes, esse espaço cairá rapidamente, para R$ 45,4 bilhões em 2027 e R$ 11,8 bilhões em 2028, ainda segundo o Planejamento, considerando estimativas do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.
Segundo o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, o governo já teria muita dificuldade para cumprir a limitação de despesas em 2026. Em 2027, a regra entraria em colapso. Para o economista, a mudança na indexação dos pisos é a primeira “batalha” que a equipe econômica deve encarar para não se “enforcar” com a própria regra fiscal.
Além dos pisos de Saúde e Educação, as aposentadorias, pensões e benefícios sociais, vinculados ao salário mínimo, também crescem mais do que a regra geral das despesas. Contudo, a valorização real do mínimo foi promessa de campanha de Lula e, portanto, mais difícil de ser revisada. Haddad também já indicou que não vê espaço político para revisar a vinculação dos benefícios ao mínimo, como sugeriu a ministra do Planejamento, Simone Tebet.
— Mantidos os indexadores atuais dos pisos, já tem uma pressão muito grande para 2026 para o custeio da máquina. Em 2027, de qualquer forma, a regra entra em colapso, especialmente porque os precatórios (dívidas do governo reconhecidas pela Justiça) voltam para o limite de gastos. Então, mudar a regra de indexação para a norma do arcabouço é condição necessária para resolver o problema no curto prazo — diz Sbardelotto.
O ideal é que a alteração dos indexadores já fosse aprovada neste ano, na avaliação do economista. Para elem uma nova regra deveria estar estabelecida, no máximo, até o meio do ano que vem para subsidiar a confecção da proposta orçamentária de 2026.
Peso do envelhecimento
Além da hipótese de indexar Saúde e Educação pelas mesmas regras do arcabouço, o Tesouro já analisou outros dois cenários alternativos. O primeiro seria aumentar essas despesas pela variação do crescimento populacional do ano anterior. Outro seria crescer no mesmo ritmo do PIB real per capita do ano anterior.
No relatório em que traça esses cenários, o Tesouro afirma que os efeitos são importantes para reforçar a “perenidade” do arcabouço fiscal no médio e longo prazos e destaca que os pisos de Saúde e Educação nunca seriam reduzidos.
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Sbardelotto, da XP, também defende que a alteração contemple um limite global para os pisos de Saúde e Educação, de modo que se tenha maior flexibilidade para alocação dos recursos entre as duas áreas, especialmente considerando que a população brasileira está envelhecendo rapidamente:
— A mudança do indexador serve para resolver o problema de colocar a despesa no limite de gastos. Para prazo mais longo, tem que colocar para dentro do Orçamento as mudanças demográficas pelas quais o país vai passar.