Uma tese tem ganhado cada vez mais peso entre analistas e operadores políticos, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil: o desempenho da economia está ficando cada vez mais descolado da aprovação de governos, e possivelmente, dos resultados eleitorais.
No Brasil, esse argumento cresce dentro do próprio governo federal. O Palácio do Planalto observa que mesmo com melhores resultados econômicos, comparados com previsões no início de 2023, além da renda real crescendo na casa dos dois dígitos, a aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontra em patamares comparativamente baixos. E olhando as simulações eleitorais para 2026, candidatos apoiados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro não se encontram tão atrás de Lula. A reação do atual presidente a esse quadro tem sido cobrar uma melhora execução de programas de governo, mas em particular, uma melhora na comunicação de seus ministros.
Nos EUA, o debate tem paralelos com o Brasil. Estrategistas democratas se deparam com cenário de muito baixo desemprego e, na visão deles, ótimos resultados econômicos. Mas, ainda assim, o presidente Joe Biden se encontra com aprovação próxima a 40% e atrás do ex-presidente Donald Trump nas pesquisas. Analisando esse quadro, a ala política de Biden discute sobre como as conquistas econômicas do governo podem ser “explicadas” de forma mais efetiva ao eleitor.
Sem dúvida alguma, a dinâmica eleitoral muda em países altamente polarizados e divididos. Mas, ainda assim, isso não significa que fatores econômicos deixaram de ser decisivos para resultados eleitorais. Há dois equívocos de análise que estão sendo cometidos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos que levam a essa conclusão.
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que o teto de aprovação presidencial de fato caiu em vários países com ambientes de alta polarização. Logo, o espaço de disputa política se encontra em uma camada menor da população. Pesquisas de opinião comparativas mostram que o grau de insatisfação e a falta de confiança contra o “sistema” estão em patamares elevados em vários países. O resultado é um ambiente de profunda divisão e polarização, além de governos mais fracos.
Se no passado era comum governantes iniciarem com taxas de aprovação popular mais elevadas – na casa de 70% – hoje, eles iniciam seus governos com índices entre 50% e 65%. Na América Latina, por exemplo, lideranças eleitas no Brasil (Lula), Colômbia (Gustavo Petro), Chile (Gabriel Boric), Argentina (Javier Milei), e Peru (Pedro Castillo) – iniciaram com taxas de aprovação abaixo de 60% após 100 dias de governo. Igualmente importante, eles perdem apoio popular de forma rápida. Depois de um ano e meio de administração, presidentes eleitos no Chile, Colômbia, Peru e Equador estavam com taxas de aprovação abaixo de 40%. Obviamente há exceções à regra. Manuel López Obrador, no México, e Nayib Bukele em El Salvador têm índices de apoio popular bem elevados. Mas a regra na região é de aprovação popular baixa.
Nesse contexto, pode-se argumentar que a taxa de aprovação popular do presidente Lula de fato se encontra em um patamar elevado. O chefe do Executivo assumiu o governo no início de 2023 com resultado mensurado em uma escala binária (aprova/desaprova) de 52%. O percentual subiu para uma média de 55% em meados de 2023. Hoje, caiu para um patamar mais próximo de 49%.
Mas pesquisas indicam que o teto de aprovação do atual governo brasileiro provavelmente ficará ao redor de 60%. Uma pesquisa da AtlasIntel, por exemplo, mostra que 38% da população continua a acreditar que o ex-presidente Jair Bolsonaro ganhou a última eleição presidencial, e outros 43% continuam a aprovar o ex-chefe do Executivo. Isso significa que o potencial de apoio ao atual governo é bem menor que o do passado. Se Lula está com uma taxa de aprovação próxima a 50%, isso sugere que ele está obtendo apoio de algo perto de 83% de seu “potencial de voto” (50% sobre 60% da população que pode aprová-lo).
Dinâmica eleitoral muda em países altamente polarizados, mas a economia segue decisiva para resultados eleitorais
Igualmente importante, ele permanece com uma taxa de aprovação muito próxima ao período quando foi eleito. Aqui a economia foi decisiva. O aumento na renda de dois dígitos e um PIB crescendo próximo a 3% em 2023 evitou uma perda de apoio popular visto em vários países. Sobre essa ótica, o governo está indo muito bem. O problema não está na falta de “comunicação”, mas em um ambiente de opinião pública em que a luta por apoio popular se encontra em uma fatia menor do eleitorado.
O segundo equívoco analítico se encontra em observar os fatores econômicos que mais impactam apoio popular. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, analistas tendem a subestimar o papel da inflação.
Nos EUA, por exemplo, estrategistas democratas se encontram perplexos quanto à razão do eleitor permanecer insatisfeito com sua condição financeira a despeito de uma economia que cresceu 2.5% em 2023 e com desemprego abaixo de 3%. A resposta se encontra no surto inflacionário de 2021 e 2022. A inflação subiu para 7% e 6,5%, respectivamente, no período. O emprego permanece elevado, mas o eleitor é influenciado pela grande elevação dos preços. Não adianta olhar para o PIB e emprego. O eleitor está muito mais influenciado pelos preços. A grande pergunta para a campanha democrata é: a melhora na renda com inflação mais próxima a 3,5% em 2023/2024 pode levar a uma recuperação modesta nos índices de aprovação do presidente? Tudo depende da economia.
No Brasil, a última queda nos índices de aprovação do presidente Lula também está altamente relacionada ao aumento nos preços dos alimentos nesse início de ano – exacerbado pelo fenômeno climático El Niño. Em janeiro e fevereiro, o aumento no custo da comida subiu mais que o dobro que a inflação observada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nesses dois meses, produtos como feijão, arroz, batata e cenoura tiveram alta superior a 10%. Se no ano de 2023 o presidente Lula se beneficiou de uma queda nos preços de alimentos, no início desse ano sua aprovação caiu com o impacto da alta. Logo, a queda na aprovação do governo nesse ano também provém de fatores econômicos – não pela falta de boa “comunicação”.
Em suma, está muito cedo para decretar o descolamento entre economia e aprovação popular/resultados eleitorais. Esses fatores permanecem decisivos para eleições. Mas o embate político se encontra em uma faixa do eleitorado mais estreita que no passado, e é preciso focar nas variáveis econômicas que importam mais para o eleitor.
Christopher Garman é diretor-executivo para as Américas do Eurasia Group.