Quem já viu um filme catástrofe, viu todos. O roteiro básico: cientistas dão o alerta sobre a tragédia iminente, quem teria poder para agir e evitar ou atenuar não dá ouvidos e acha que não é importante ou urgente. Uma das graças do gênero está no momento em que caem na real aqueles que fizeram pouco caso, foram omissos, imprudentes e negligentes. No fim, quem consegue sobreviver se rende à ciência, e há cooperação de esforços pela reconstrução a partir de novos marcos. Sobem os créditos e toca a música. Os filmes sempre soaram inverossímeis. “As pessoas não seriam tão burras”. Bem, lamentavelmente, os últimos anos nos têm colocado no meio de enredos que parecem distopias hollywoodianas. E a realidade é que as pessoas podem ser mais burras do que no cinema.
Na tragédia do clima e da política no Brasil, a trama do cinema catástrofe só segue o roteiro até a tragédia acontecer. Mesmo quando o mundo desaba sobre a cabeça dos (ir)responsáveis, quem deixou de agir preventivamente e virou as costas à ciência não dá o braço a torcer, não se convence do próprio erro. Segue achando que tem razão, a despeito das evidências do erro cometido. O negacionismo está presente antes, durante e depois do acontecido.
E evidência do erro não faz com que mudem em nada a postura? Ah, faz. As pessoas se tornam ainda mais eloquentes e cabeças duras. Quem mais contribuiu para a tragédia tem ainda a pachorra de vociferar cobrando adversários políticos que façam algo. Não se rendem à ciência e se mostram mais arrogantes ainda do que antes. Não cooperam, não contribuem em nada e ainda tentam tirar proveito político.
Sabe por que essa gente nega a ciência, as instituições, ataca a imprensa e diz até que a Terra é plana? Porque não querem que sobre nenhum parâmetro, nenhum referencial, não legitimam coisa alguma que venha a desmascará-las e a expor o disparate. Pregam o caos, uma ordem em que qualquer absurdo pode ser dito e validado. Qualquer coisa que se diga tenha lugar, porque “é a minha opinião”. Mesmo quando é desmentida categoricamente pelas forças da natureza, quando a realidade expõe o contrário de forma categórica e quando fica evidenciado que a “opinião” contribuiu para a tragédia.
As agendas do governo
O governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB) está fazendo malabarismo para explicar por que não agiu preventivamente, apesar dos alertas de que poderia haver uma tragédia climática e, mais que isso, a despeito dos vários episódios no ano passado. À Folha de S.Paulo, ele afirmou que o governo tinha também outras agendas. Ao Roda Viva, na TV Cultura, ele disse que não se expressou bem e explicou que foi necessário o equilíbrio fiscal para colocar em dia o salário dos servidores, inclusive os que atuam no salvamento.
Em não defenderia que um governo deixasse de atender outras demandas. Não vou dizer que as contas não devem estar em ordem, a ponto de nem os salários do funcionalismo serem pagos. Tampouco direi que se deve deixar de investir em saúde, educação e segurança pública. Cultura, assistência social, ciência e tecnologia também, entre outras áreas. Claro que governos não têm uma agenda só. O problema é o nível de prioridade. Prevenção costuma estar na linha de frente dos cortes. O errado não é haver outras agendas, é a agenda ambiental e de prevenção ter importância secundária ou nem isso.
E não apenas houve alerta. O Rio Grande do Sul teve vários episódios trágicos com chuvas de um ano para cá. A maior tragédia climática da história do Estado havia ocorrido em setembro do ano passado e matou 54 pessoas. Um junho, um ciclone havia deixado 16 mortos. Em novembro, outros 5 morreram durante outro ciclone. Houve ainda fenômenos do tipo em julho e agosto.
Não se tratava mais nem de haver avisos. O Rio Grande do Sul atravessa um ano de tragédias climáticas, com intervalos. Que não se tenha dado status de prioridade ao assunto vai além da omissão, da incúria, do desmazelo.
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