Nesta semana, o procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), o chamado Tribunal de Haia, pediu a prisão de Benjamin Netanyahu e Yoav Gallant, primeiro-ministro e ministro da Defesa de Israel, mas também contra líderes do Hamas por crimes contra a humanidade praticados na guerra que se estende desde 7 de outubro deste ano.
Estados Unidos e Israel se recusaram a cumprir o mandado, enquanto outros países celebraram a decisão da corte. A questão, portanto, é: por que se pode recusar decisões do TPI? O que é o Tribunal? Quem acata tais decisões?
O que é o Tribunal Penal Internacional?
O Tribunal Penal Internacional (TPI) é uma corte permanente estabelecida em Haia para julgar indivíduos acusados de cometer os crimes mais graves de preocupação internacional, incluindo genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e, mais recentemente, o crime de agressão.
Diferença entre Tribunal Penal Internacional e Corte Internacional de Justiça
Há quem confunda o Tribunal Penal Internacional (TPI) com a Corte Internacional de Justiça (CIJ). Contudo, estas são instituições distintas de justiça internacional. O TPI, estabelecido pelo Estatuto de Roma em 2002 e sediado em Haia, julga indivíduos acusados de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e agressão. Sua jurisdição se aplica a crimes cometidos em Estados-partes ou por seus cidadãos, e pode iniciar investigações por meio do Procurador, Estados-membros ou do Conselho de Segurança da ONU.
A CIJ, também localizada em Haia, foi criada em 1945 pela Carta das Nações Unidas. Ela resolve disputas legais entre Estados e fornece pareceres consultivos sobre questões jurídicas internacionais. Composta por 15 juízes eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU, a CIJ não julga indivíduos, apenas Estados que consentem com sua jurisdição.
Enquanto o TPI se foca na responsabilização individual, a CIJ lida com questões entre Estados e o direito internacional público.
Origem do TPI
A origem do TPI remonta ao final da Segunda Guerra Mundial, com os julgamentos de Nuremberg e o Tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio, onde líderes nazistas e japoneses foram julgados por crimes de guerra.
Esses tribunais exclusivos inspiraram a ideia de uma corte permanente que pudesse tratar de crimes internacionais continuamente. No entanto, foi apenas em 1998 que o TPI começou a tomar forma, quando 120 países adotaram o Estatuto de Roma durante uma conferência diplomática em Roma, Itália.
O Estatuto de Roma entrou em vigor em 1º de julho de 2002, após a ratificação por 60 países, formalmente estabelecendo o TPI. O Brasil é um dos signatários do Estatuto e faz parte da corte.
Jurisdição e Funcionamento
O TPI tem jurisdição sobre crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto de Roma em 2002. Sua jurisdição é limitada a crimes ocorridos em territórios de Estados que ratificaram o estatuto ou cometidos por seus cidadãos, a menos que o Conselho de Segurança das Nações Unidas refira um caso ao tribunal.
O TPI não substitui os sistemas judiciais nacionais; atua apenas quando um país é incapaz ou não está disposto a investigar e processar os crimes graves mencionados.
O processo no TPI envolve várias etapas: uma investigação preliminar, uma investigação formal, a emissão de mandados de prisão ou de intimações, a realização de audiências de confirmação de acusações, o julgamento e, se necessário, o apelo.
O Gabinete do Procurador é responsável por conduzir investigações e processar os casos.
Julgamentos Históricos
Desde sua criação, o TPI conduziu vários julgamentos significativos. Em 2006, o tribunal emitiu seu primeiro mandado de prisão contra Thomas Lubanga Dyilo, um senhor da guerra congolês acusado de recrutar e usar crianças-soldado no conflito da República Democrática do Congo. Em 2012, Lubanga foi condenado a 14 anos de prisão, marcando a primeira condenação do TPI.
Outro caso notável é o de Jean-Pierre Bemba, ex-vice-presidente da República Democrática do Congo, condenado em 2016 por crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos por suas milícias na República Centro-Africana. No entanto, em 2018, a câmara de apelação do TPI anulou sua condenação, alegando erros no julgamento inicial, o que gerou debates sobre a eficácia e a justiça do tribunal.
O caso contra Omar al-Bashir, ex-presidente do Sudão, é talvez o mais controverso. Em 2009, o TPI emitiu um mandado de prisão contra al-Bashir por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio em Darfur. No entanto, al-Bashir permaneceu no poder até 2019 e viajou para vários países sem ser preso, destacando as limitações do TPI em executar seus mandados.
Críticas e Controvérsias
Apesar de suas realizações, o TPI enfrenta diversas críticas e controvérsias. Uma das críticas mais frequentes é a alegação de parcialidade, especialmente a percepção de que o tribunal concentra-se desproporcionalmente na África.
Crimes contra a humanidade ocorrem em diferentes lugares do mundo, e inclusive são perpetrados por países europeus e pelos EUA. Vale lembrar que, durante a Gurra do Iraque, o governo estadunidense matou mais de 1 milhão de pessoas.
Até 2024, todos os casos levados a julgamento pelo TPI envolviam países africanos, o que levou a acusações de “neocolonialismo judicial” e resultou na retirada de alguns países africanos do Estatuto de Roma.
Outra crítica significativa é a ineficácia na execução de mandados de prisão.
Sem uma força policial própria, o TPI depende da cooperação dos Estados para prender indivíduos acusados, o que muitas vezes não ocorre, especialmente quando os acusados são líderes nacionais em exercício.
Exemplo é Netanyahu ou mesmo al-Bashir, mas também pode servir para Vladimir Putin, que enfrenta uma ordem de prisão da corte mas já viajou para diferentes países do mundo sem problemas maiores.
Estados Unidos, Rússia e China, não são membros do TPI e têm se oposto ativamente ao tribunal, portanto, fica difícil uma corte internacional sem os três.
A ausência desses países limita a abrangência e a autoridade do TPI, especialmente quando crimes graves são alegadamente cometidos por cidadãos dessas nações ou em seus territórios.
Outros problemas
O TPI continua a enfrentar desafios complexos, em especial, a sua fragilidade em um sistema internacional repleto de potências que não o reconhecem
Em 2018, o tribunal começou a investigar crimes supostamente cometidos no contexto do conflito afegão, incluindo possíveis crimes de guerra por forças americanas. Essa investigação gerou uma resposta negativa do governo dos Estados Unidos, que impôs sanções a funcionários do TPI durante a gestão Trump, embora essas sanções tenham sido posteriormente revogadas.
A inclusão do crime de agressão no Estatuto de Roma em 2017 foi uma expansão significativa da jurisdição do TPI, mas também trouxe novos desafios.
Definir e provar o crime de agressão, especialmente em um contexto político global complexo, é uma tarefa difícil e pode colocar o TPI em confronto direto com grandes potências, como a própria Rússia no âmbito do conflito ucraniano ou mesmo os EUA, retroativamente, no âmbito da Guerra do Iraque.
Apesar das questões, o TPI segue sendo o principal tribunal legítimo para julgar indivíduos e pode ser uma ferramenta para combater o genocídio e responsabilizar seus agentes. Quem sabe Netanyahu e Bolsonaro um dia não se sentarão no banco dos réus?