O modelo ideal de universidade, na visão dos estudantes, tem corpo docente com perfil múltiplo, que possui atuações que vão além da docência. Este é um dos resultados apontados por uma pesquisa realizada pelo Instituto Semesp no ano passado. O levantamento mostrou que a maioria dos universitários (60,8%) espera que os professores também sejam pesquisadores, e outros 15% apontaram que têm uma expectativa de que os docentes possam aconselhá-los. Outro dado é que, para 97% dos estudantes, a faculdade de seus sonhos une ensino e pesquisa.
Para Gabriela Fonseca, coordenadora e professora da graduação em Economia da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (EESP), quando os professores se dedicam à pesquisa, seja acadêmica ou aplicada, concomitantemente à sala de aula, trazem muitas vantagens para o ambiente universitário. “Os professores que estão próximos às pesquisas ajudam a manter as ementas dos cursos atualizadas. Muitas inovações e resultados de pesquisas chegam primeiro aos artigos científicos e conferências, e demoram para afetar as universidades.”
Gabriela atua como coordenadora e professora de graduação, mas pesquisa a área da Economia da Educação, se concentrando em estudar como a expectativa dos professores afeta efetivamente o desempenho escolar. Para ela, quando o professor segue carreira como pesquisador, isso proporciona benefícios para toda a sua sala de aula, mesmo que a maioria dos alunos queira ir para o mercado de trabalho e não para a vida acadêmica.
Para incentivar a pesquisa dos docentes, a FGV tem um escritório de apoio ao pesquisador que faz a gestão de um fundo, seleciona e investe em projetos e organiza um simpósio de pesquisa que facilita a formação de uma rede de pesquisadores e a aproximação com agências de fomento. “O benefício é direto, porque os resultados de pesquisas podem ser muito interessantes e certamente chamam a atenção do aluno. Todo o mundo tem interesse por alguma área. Esses professores avançam a fronteira do conhecimento e diminuem a distância da ciência”, diz Gabriela.
Rodrigo Soares, vice-presidente acadêmico, professor e pesquisador do Insper, concorda e acrescenta que o envolvimento na pesquisa faz com que o professor provoque na sala de aula uma discussão mais profunda. “No ensino superior, o conhecimento avança constantemente. Um docente que se dedica somente à docência, com o passar dos anos, vai se afastar da fronteira da profissão. O engajamento como atividade profissional de alto nível é necessário para se manter atualizado”, afirma. Para incentivar a pesquisa, o Insper oferta verba, reduz a carga horária de sala de aula para professores que querem se dedicar e dá infraestrutura, como o Centro de Ciência de Dados e laboratórios para o caso da área de Engenharia.
Na visão dos estudantes, o docente ideal também está preparado para aconselhá-los, segundo a pesquisa do Instituto Semesp. A porcentagem ainda é maior (24,2%) entre os universitários matriculados em cursos de ensino a distância, tendo em vista a necessidade de maior apoio acadêmico. Entre os estudantes dos cursos presenciais (13,1%) e dos semipresenciais (18,8%) também há esse desejo. “É uma expectativa legítima dos alunos, porque no ensino superior os professores acabam tendo uma relação mais próxima com eles. Ao longo do curso, os estudantes desenvolvem afinidade por causa da temática, da atuação profissional do professor, e ele deveria cumprir também um papel de tutor”, acrescenta Soares.
E não é apenas a ideia de um “ombro amigo”. É uma função de tutoria efetivamente, até porque os currículos estão cada vez menos estáticos, o que exige uma capacidade de decisão complexa para grande parte dos jovens. “O leque de oportunidades dentro do ambiente universitário, que abrange projetos de extensão, iniciação científica e empresas juniores, pode ocasionalmente confundir os jovens”, diz Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil.
No entanto, Capelato ressalta a necessidade de repensar a formação dos professores, para atender às demandas desse profissional cada vez mais polivalente. “Há muitos caminhos possíveis. Mas a mudança do perfil do professor é um processo lento e gradual; é necessário repensar a formação, especialmente nas licenciaturas. Ele precisa estar mais atento ao uso das tecnologias e se reinventar, sem medo de enfrentar as mudanças. Até porque ele não vai deixar de existir, mas seu papel vai mudar.”
Capelato reforça que o mais interessante nos ambientes universitários é contar com um corpo docente formado por profissionais com perfis diferentes: professores pesquisadores, mas também aqueles que estão no mercado de trabalho. “Em uma área de gestão, por exemplo, o professor ligado à pesquisa vai fazer uma análise crítica de um modelo de governança, analisar comparativamente o que é tendência. Já um profissional do mercado, um CEO, que está envolvido no dia a dia de uma empresa, traz a visão prática. É fundamental ter essa mescla.”
Em 2022, o Instituto Semesp divulgou uma pesquisa apontando um possível déficit de 235 mil professores em todas as etapas da educação básica até 2040. Os principais fatores destacados por este estudo que contribuem para o futuro apagão de professores, e reiterados na pesquisa feita neste ano com docentes, são: o envelhecimento do corpo docente; o desinteresse dos jovens em seguir a carreira de professor em decorrência da precarização da profissão; a violência em sala de aula; as condições de trabalho precárias, como infraestrutura ruim das escolas e falta de equipamentos e material de apoio; além de problemas de saúde mental dos docentes.