No dia seguinte a ter aceitado uma candidatura presidencial crucial para a oposição venezuelana que não desejava, o diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, de 74 anos, disse a um amigo que não sabia nem por onde começar. O amigo contou ao GLOBO que sua resposta foi simples e ilustrativa: “Faça como os cachorros, vá marcando seu território.” Egu, como é chamado por familiares e colaboradores, tinha pela frente dois desafios: enfrentar o presidente Nicolás Maduro nas urnas, e a líder opositora María Corina Machado dentro da oposição.
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Antes mesmo de poder começar a montar sua equipe, María Corina já tinha um comando de campanha armado. A técnica do cachorro não funcionou. González se submeteu à liderança da mulher que domina por completo a oposição venezuelana desde que venceu as primárias opositoras do ano passado — nunca reconhecidas oficialmente —, com mais de 90% dos votos.
Aos poucos, um homem que sempre se dedicou à diplomacia (foi embaixador na Argentina, entre outros postos) e à política internacional, adaptou-se. De fala suave, González não gosta de dar entrevistas, mas vestiu a roupa de candidato, foi pra rua e, gradualmente, mostrou à María Corina suas ideias. Na semana passada, o candidato impôs seu desejo de que o governador do estado de Zulia, Manuel Rosales, considerado inimigo pela líder opositora, participasse do último comício no interior. María Corina aceitou para não arriscar um conflito em um momento em que a oposição precisa mostrar-se unida.
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González é conciliador, como todo diplomata. Muito culto, estudioso e, segundo seus colaboradores, “incapaz de perder as estribeiras”. Ser candidato é algo que jamais passou por sua cabeça, e quando seu partido, a Mesa de Unidade Democrática, o inscreveu, a ideia era que fosse apenas um “candidato tampão”, provavelmente substituído durante o processo eleitoral.
A situação se complicou para todos os demais partidos, houve inabilitações, e González se viu praticamente obrigado a ser a grande esperança da oposição. Seus amigos contam que foi necessária a intervenção de dois cardeais para que que ele e María Corina se aceitassem mutuamente.
O candidato vive num bairro de classe média de Caracas com a mulher, Mercedes, um dos pilares em sua vida. Uma de suas filhas vive na Espanha, onde trabalha como advogada, ganha muito bem e, como muitos filhos que rumaram para o exílio, comentaram fontes que conhecem a família, envia remessas de dinheiro para ajudar os pais. González fez uma campanha quase sem recursos, pagando, em alguns casos, suas passagens aéreas. Poucos o ajudaram.
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Seus colaboradores asseguram que, caso seja necessário, o candidato se descolará de María Corina. Mas a verdade é que, em caso de vitória, a convivência entre ambos é uma incógnita. Para alguns, González será obrigado a suspender a inabilitação da líder opositora e até convocar novas eleições, para que ela possa ser candidata. Quem o conhece bem garante que isso está fora de cogitação. A técnica do cachorro ainda não foi usada, disse uma das fontes, “mas se Edmundo ganhar, vai marcar território”.