Até a década de 1990, Brasil e Argentina eram indistinguíveis. Já hoje, o Brasil tem muitos problemas, mas, quando se olha para a Argentina, tem-se a impressão de que pertencemos a outro planeta.
A vida diária associada à inflação é simplesmente um verdadeiro caos. A inflação nos últimos 12 meses foi de 288% — e continua aumentando. A inflação média mensal nos primeiros três meses de 2024 foi de 15%. Os reajustes de uma série de variáveis, que até alguns anos atrás eram anuais, passaram para semestrais, depois quadrimestrais, trimestrais e às vezes mensais. O país se prepara para a enésima negociação com o FMI, há greves, incerteza, etc. O Brasil já foi assim — no passado.
Se não é mais, agora que o Plano Real se encaminha para fazer seu 30.º aniversário em junho, é o momento de fazer o devido reconhecimento ao papel que um conjunto de indivíduos teve em 1994 para produzir essa transformação que se tornou um divisor de águas no Brasil.
Quando se vê o que é o dia a dia no país hermano, às voltas com as mesmas questões nossas de 30 anos atrás, percebe-se a dimensão do que aquela equipe foi capaz de fazer. Sob a condução política de FHC e a hábil regência de Pedro Malan, o grupo dos “pais do Real”, o dream team composto por Gustavo Franco, Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende e Winston Fritsch, contando também com o benefício da reflexão de anos anteriores feita por Francisco Lopes e Eduardo Modiano — embora não estivessem na equipe — elaborou um plano com grande dose de engenho. Ele foi fruto de dez anos de uma rica discussão no âmbito do Departamento de Economia da PUC-RJ, sob a liderança intelectual de Dionísio Dias Carneiro e Rogério Werneck.
Foi esse plano que permitiu passar de um Brasil de uma inflação de 50% ao mês para virar um país com uma inflação de 4% — ao ano. Plano esse que — cabe lembrar — contou na época com a crítica ferrenha do PT, que a ele se opôs de todas as formas, com o argumento de que teria efeitos recessivos e seria um fracasso, como os anteriores cinco planos de estabilização tentados desde 1986.
Não há hoje na Argentina, pelo menos por enquanto, uma reflexão consolidada acerca de como implementar um plano de estabilização e desindexar a economia, como havia no Brasil em 1994. E, muito menos, alguém com a habilidade de FHC. Liderança política e consistência técnica: feliz do país quando essas duas coisas se juntam. Foi a combinação zodiacal que o Brasil teve há 30 anos.