A política do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) nos últimos meses, de manter os juros altos por mais tempo (“higher for longer”), é um limitador para os países emergentes, que assim têm menos espaço para reduzir suas taxas, segundo Robert Sockin, economista global do Citi. Ainda assim, ele diz que tanto alguns países em desenvolvimento como outros desenvolvidos têm se mostrado mais resilientes, e avalia que, assim como a economia global surpreendeu para cima em 2023, o mesmo deve acontecer este ano.
Sockin aponta que, no seu cenário, o Fed deve começar a cortar juros em julho, mas que ainda assim será algo muito gradual e a taxa seguirá elevada. “A situação é restritiva para os emergentes em relação ao que eles podem fazer com base no que o Fed decide. No fundo, não tem muito como eles se desacoplarem do Fed, ou pode haver um ajuste mais forte no câmbio”, disse em entrevista ao Valor.
Para ele, alguns fatores podem explicar por que certo emergentes e mesmo partes da Europa e outras regiões têm tido um desempenho melhor do que o esperado. Em alguns desses mercados, o setor de financiamento imobiliário trabalha com taxas fixas, o que o protege de um aumento dos juros. Além disso, o que tem puxado o crescimento é o setor de serviços, que também é menos sensível ao aumento das taxas do que a indústria. E ainda há algum resquício de empresas e famílias que se financiaram na pandemia a juros muito baixos e, menos alavancadas, precisaram tomar menor empréstimos quando as taxas subiram.
Entre os emergentes, especificamente, muitos bancos centrais foram rápidos em subir juros quando a inflação começou a sair do controle, e assim ganharam tempo para avaliar melhor o contexto. “Os emergentes têm ido muito bem, mesmo alguns com juros muito altos. O câmbio ficou relativamente bom, a economia tem crescido. Em alguns casos, as expectativas de inflação se comportaram mais como acontece nos desenvolvidos.”
Sobre o Brasil e a situação fiscal, ele admite que o relaxamento da meta é um desafio, mas ressalta que o país não está sozinho. “O fiscal no mundo também tem se expandido, o Brasil não é um ‘outlier’. Todo mundo apertou os gastos [depois das despesas com a pandemia], mas eles ainda estão elevados, o Brasil não está sozinho.” Para o economista, o risco nesse cenário seria de novas depreciações do câmbio e uma perda de confiança dos investidores, com reflexo na curva de juros. “É preocupante e acredito ser um fator que deixa o Banco Central mais cauteloso.”
Sobre a economia global, ele lembra que o Citi revisou recentemente sua perspectiva de expansão da atividade este ano de 1,9% para 2,3%, o que ainda está abaixo da média histórica, mas longe de uma recessão. “A economia surpreendeu pelo lado positivo ano passado. Muitos países evitaram uma recessão e os que tiveram, como Reino Unido e Japão, foi muito leve. Este ano também está assim. Muitos dos riscos parecem menos severos do que nos últimos meses.”
Para Sockin, o que vai definir como será o ano para a economia global será se os EUA conseguirão evitar uma recessão. “Se sim, será um ano decente para o mundo. Se não, será difícil.”
Este é um dos principais riscos para o PIB mundial este ano, juntamente com questões geopolíticas, e a exportação de desinflação da China. “Para este ano, o crescimento da China está sólido, mas para o longo prazo pode ser um problema”, aponta.
Sobre Europa, Sockin diz que um risco que ainda está fora do radar atualmente são as eleições parlamentares. Ele tem acompanhado o tema não com receio de consequências imediatas nas políticas, mas para avaliar a situação do populismo na região. “Temos visto alguns sinais de populismo na Alemanha, que é uma economia que tem de pensar como será sua estrutura no futuro, que não tem mais os mesmos motores do passado.”
*O repórter viajou a convite do Citi