As Olimpíadas de Paris marcam o primeiro grande embate entre as ginastas Simone Biles, dos Estados Unidos, e a brasileira Rebeca Andrade, que competirão em plena forma física e mental a partir deste domingo (28).
A cena de Biles, 27, passando uma coroa imaginária para Rebeca, 25, durante o Mundial de Ginástica de 2023, ganhou significado na trajetória de ambas. A americana reconheceu na brasileira uma competidora em potencial na modalidade.
Quando Biles estava despontando nas Olimpíadas do Rio-2016, Rebeca recuperava-se de uma lesão no ligamento cruzado anterior do joelho direito. Enquanto Rebeca brilhou nas Olimpíadas de Tóquio-2020, Biles decidiu parar e tirar um tempo para cuidar da saúde mental.
“Ela [Rebeca] vai bater de frente [com Biles] com certeza, até porque a ginástica é um esporte muito complexo e os detalhes fazem a diferença”, diz Andrea João, bicampeã brasileira e sul-americana de ginástica olímpica e chefe do departamento de ginástica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O detalhe pode estar num vídeo que Rebeca submeteu à FIG (Federação Internacional de Ginástica). Na gravação, ela executa um elemento inédito para o salto, o Yurchenko com tripla pirueta. É possível que o movimento ganhe o nome da brasileira. Para isso, precisa ser executado em uma competição oficial.
Para Georgette Vidor, treinadora da seleção artística brasileira por 15 anos e coordenadora técnica do Flamengo, o movimento é muito difícil e de alto risco. “Ela só vai colocar esse movimento se ela estiver segura, se valer a pena para a medalha de ouro”, diz.
É importante, no entanto, que a atleta faça melhorias em sua série e que se arrisque, afirma João. “Ela não pode entrar com séries simples e a Simone com séries fortíssimas, não vai ter chance.”
Rebeca vive o melhor momento da carreira, com maturidade e controle emocional, principal qualidade da ginasta, segundo Vidor. “Ela não é uma pessoa que sofre se não conseguir, não se cobra tanto. Isso dá uma tranquilidade.”
Ainda assim, será um desafio executar o movimento. “Se ela tentar a tripla pirueta mas faltar grau de rotação, pode ser que a arbitragem não considere tripla, e sim duas e meia. Assim, o valor de dificuldade desce e ela ainda perde pontos por ter feito”, diz João.
Mas estaria Rebeca à altura de Biles? Para a técnica do Flamengo, ainda que a brasileira esteja em alto nível e entre as melhores do mundo, competirá pela prata e pelo bronze. “Simone é um fenômeno nunca visto, acrobático de uma maneira sem igual.”
Prova disso foi o treino de pódio, na quinta-feira (25), quando a americana cravou duas vezes o Yurchenko double pike (duplo mortal carpado), salto de maior dificuldade da ginástica feminina, batizado de Biles 2. O movimento, que requer potência, velocidade e senso de tempo, era feito com o técnico ao lado. Agora, não mais.
Ao todo, Biles tem cinco exercícios do código de pontuação que levam o seu nome: dois no salto, dois no solo e um na trave de equilíbrio. Nas Olimpíadas pode chegar ao sexto, já que ela também submeteu um novo elemento na performance de barras assimétricas. Ela tem notas de partidas, definidas pela dificuldade do movimento, muito altas, o que eleva a somatória dos seus pontos.
A americana tem um histórico de 20 medalhas de ouro em mundiais e sete olímpicas (quatro de ouro, uma de prata e duas de bronze). Biles se destaca no individual geral, prova que avalia a atleta mais completa. É campeã nessa modalidade desde o seu primeiro Mundial, em 2013. Na trave ela faz o movimento mais difícil de todos.
Rebeca, por sua vez, mesmo com histórico de lesões, consolidou-se nas últimas competições. São sete medalhas em mundiais e duas nos Jogos Pan-Americanos, além de 15 conquistas na Copa do Mundo. Nas Olimpíadas de Tóquio, ganhou duas medalhas, sendo a primeira ginasta brasileira a conseguir ouro na competição.
O solo de Rebeca, para Vidor, possui aspectos artísticos mais bonitos e bem executados. A brasileira embala sua apresentação ao som de Beyoncé, Anitta e o funk “Baile de Favela”.
“Ela tem três medalhas que dependem só dela. No salto, no individual geral e no solo. Se ela competir o normal dela, o que ela faz sempre, consegue”, afirma Marcelo Azeredo, ex-ginasta da seleção brasileira e dono de uma academia em Nova Iguaçu (RJ).
No último Mundial, desbancou Biles e levou ouro no salto, modalidade em que a brasileira mais se destaca. Ambas fizeram o mesmo movimento, mas o que garantiu a vitória de Rebeca foi o desequilíbrio da americana na primeira execução. “Mesmo com pequeno erro e até com uma queda, Simone ainda estaria à frente de todo mundo”, afirma Vidor.
A mente também pode ser um fator decisivo nas Olimpíadas. “O fator psicológico passa a ser mais importante até do que a questão física e técnica”, diz João.
A competição feminina de ginástica artística acontece neste domingo, com classificatórias a partir das 4h30 (horário de Brasília). Na terça-feira (30) acontece a final da competição por equipes.