Socialite acusa ex-motorista de mantê-la presa por 10 anos no próprio apartamento em Copacabana
O endereço é Copacabana, uma das praias mais famosas do mundo. Mais especificadamente, em um dos prédios mais emblemáticos do Rio de Janeiro: o Edifício Chopin, vizinho do Copacabana Palace, hotel histórico e suntuoso na zona sul da cidade.
É nesse endereço que vive a socialite Regina Lemos Gonçalves. O que até então ninguém sabia é que as janelas escuras do apartamento luxuoso escondiam mais do que a intimidade dos moradores.
Depois de quatro meses fora, Regina voltou ao imóvel de mil metros quadrados, decorado com obras de arte, peças exclusivas e objetos de colecionador.
Ela é viúva e não tem filhos. Ela já era rica e herdou uma fortuna bilionária quando o marido morreu há 30 anos. Nestor Gonçalves era fazendeiro e empresário. Chegou a ser dono do parque gráfico que produzia os baralhos Copag — muito populares no Brasil.
Regina era conhecida por dar festas extravagantes, mas deixou de ser vista nas áreas comuns do prédio nos últimos dez anos, o que fez vizinhos e amigos ficarem preocupados.
Eles fizeram uma denúncia anônima sobre o sumiço ao Ministério Público do Rio em maio de 2022. Na época, disseram que tentaram em vão entrar em contato com Regina.
Afirmaram que os telefones dela eram usados e sempre atendidos por José Marcos Chaves Ribeiro. E que em ligações ou pessoalmente ele vinha sempre com negativas evasivas, alegando doença para não falarem diretamente com ela.
Regina diz que José Marcos a isolava.
“Ele pegava celular…. Eu vivia assim… Sem poder ter contato com ninguém. E tudo do jeito que ele pensava e depois saía, eu ficava. Eu ficava em cativeiro.”
O Fantástico tentou falar com ele várias vezes esta semana — sem sucesso.
A dona Regina, como os moradores tratam a socialite, diz que contratou José Marcos como motorista em 2010. “Ele era apenas um chofer e um chofer sem condições.”
À Justiça, ele disse que era mais do que isso.
O Fantástico teve acesso a documentos que fazem parte de uma disputa judicial para saber quem deve cuidar de Dona Regina e do patrimônio dela.
José Marcos alega que os dois viveram um relacionamento amoroso. Ele dizia que era marido de Regina, o que ela nega. “Uma audácia, um atrevimento”.
Porém existe uma escritura de união estável registrada em 2021. Na época, Marcos estava com 50 anos de idade. Regina tinha 85.
No documento consta que os dois estavam em pleno uso de suas faculdades mentais. Principalmente Regina, porque foram apresentados dois atestados psiquiátricos para comprovar a saúde dela.
Desconfiança de amigos e familiares
A notícia de um suposto romance entre os dois chocou a família e amigos próximos. Carlos Queiroz, sobrinho de Regina, diz que desconfiou.
“Por causa da idade dela. Ela tinha feito um pacto. Depois que meu tio morreu, o marido dela – que ela que é minha tia de verdade – que nunca mais iria casar. Era apaixonada por ele. Era tudo para ele, para ela, né? Achei estranho.
Álvaro O’hara, estilista e amigo de Regina, também.
“Por que a Regina jamais ia se envolver com uma pessoa como ele? O nível da Regina – e não é que eu coloque ela como uma pessoa melhor que todo mundo — é que não se comunica essa história. Ela sempre teve ele como o funcionário.”
Em um outro trecho da união estável, o documento diz que em caso de eventual incapacidade mental, completa ou parcial, transitória ou definitiva de um dos dois, deve ser nomeado como seu curador e representante legal o outro em detrimento de quaisquer outros já existentes.
Na escritura consta que a declaração dos dois foi registrada em vídeo. Ela diz que não se lembra de ter assinado papel algum. Parentes afirmam, sem provas, que Regina vivia sob efeito de remédios.
“Uma pessoa coagida, drogada, dopada, com medo. Se mulheres jovens, atuantes na internet, elas sofrem esse tipo de assédio, imagina uma mulher clássica, da ‘belle époque’?”, questiona Álvaro.
A união estável, em que a sanidade mental de Regina foi atestada, é de dezembro de 2021.
No ano seguinte, em resposta a uma notificação da família pedindo notícias da socialite, foi apresentado outro laudo confirmando que ela estava bem.
Essa resposta é assinada por José Marcos e Regina.
Laudo apresentado pelo homem
Em dezembro de 2023, o ex-motorista entregou à Justiça um terceiro laudo, de outro psiquiatra, dizendo exatamente o contrário. Que, agora, Regina apresentava quadro de demência avançada com déficit cognitivo grave que a incapacitava para a prática dos atos da vida civil.
Ao saber disso, a socialite ficou furiosa.
Dona Regina ficou com José Marcos no apartamento quase por 14 anos. Só no dia 2 de janeiro deste ano ela conseguiu sair sozinha e foi para casa do único irmão vivo que também mora em Copacabana.
A socialite diz que foi uma fuga.
“Eu resolvi fugir. Resolvi pôr um final nisso. O dia que eu fui procurar a casa do meu irmão, falei, cheguei, eles assustaram. Eu havia emagrecido mais de 30 quilos. Tava osso puro.”
A família diz que ficou horrorizada com o estado de saúde dela e entrou com um pedido de proteção pra dona Regina.
A Justiça concedeu a medida protetiva no dia seguinte. José Marcos tem que ficar no mínimo 250 metros longe dela.
“Quantas mulheres com a idade dela passam por situações parecidas com ela? Então significa que ela é duplamente vítima. Ela é vítima por ser mulher e vítima por ser idosa. Então é muito difícil às vezes a palavra da vítima nessa idade ser realmente reconhecida. E ela fala com toda grandeza o que ela passou”, diz a advogada de Regina.
No dia 6 de janeiro, policiais foram até o apartamento. Mas, pelos relatos dos agentes, porteiros disseram que José Marcos saiu na hora em que viu a viatura chegando.
Dias depois, José Marcos declarou à Justiça que Regina só saiu de casa porque teve um surto decorrente de seu estado frágil e de confusão mental.
Mesmo com a medida protetiva, ele conseguiu na Justiça o direito de ser o curador dela, e ganhou poderes pra administrar todo o patrimônio da socialite — assim como estava previsto na união estável.
Segundo a família, são centenas de apartamentos, terrenos e mansões. Só em um condomínio em São Conrado, na zona sul do Rio, ela tem 4 casarões.
Os parentes de Regina dizem que uma das mansões — com 11 quartos — está sendo ocupada por José Marcos. A casa tem 1.400 metros quadrados.
A socialite afirma que o ex-motorista já vinha controlando a vida financeira dela havia muitos anos.
“Não deixou um tostão. Ele pegava o meu… Meus documentos, ia ali cartão de crédito, ia gastando, gastando.”
Segundo a defesa de Regina, há provas de “que ele dilapidou o patrimônio”.
A família afirma que vinha tentando afastar José Marcos de Regina desde 2016. Procuraram a polícia, visitaram o apartamento com assistentes sociais.
O irmão de Regina, segundo o sobrinho, tentou até interditá-la judicialmente pra evitar que José Marcos tivesse acesso ao patrimônio. Mas, ainda segundo o sobrinho, o ex-motorista e seus advogados sempre conseguiram impedir as ações da família.
“Eles apresentaram o laudo de que ela tava bem, tava lúcida. Botaram pra falar com ela, ela falou que tava bem. Acredito que mais coação, medo da pessoa, aquela coisa normal.”
Nem a família, nem os advogados ainda têm informações precisas sobre o tamanho do patrimônio de Regina. O que eles sabem é o quanto o marido dela deixou quando morreu, em 1994.
A herança foi de cerca de 500 milhões de dólares. Hoje, perto de dois bilhões e meio de reais. Só no apartamento, a estimativa é que havia 15 milhões em joias, pedras preciosas e barras de ouro guardadas em sete cofres que foram esvaziados no período em que ela ficou fora de casa.
“Eu conhecia todas as joias dela. Sumiu tudo. Ela tinha riviera de rubi. Sumiu tudo. Van Cleef, Bulgari, Cartier, peças valiosas, diamante, chocolate, dourado, coisas raras. Não tem mais nada, nada”, diz Álvaro.”
O empresário afirma que há outros artigos que despareceram.
O que diz a defesa de José Marcos
Além de procurar José Marcos, o Fantástico também tentou falar com a defesa do ex-motorista sobre as acusações da família de Regina por telefone e por mensagens. O advogado dele foi taxativo: disse que também não daria entrevista.
A situação, hoje, é que há duas decisões judiciais. Na área criminal José Marcos está proibido de se aproximar da socialite.
Mas na área cível, o ex-motorista é o responsável por administrar todos o bens de dona Regina.
Na briga pelo controle do patrimônio da socialite, foram produzidos dois testamentos. O primeiro beneficiava somente José Marcos — o que os parentes de Regina consideram suspeito.
O segundo, feito este ano, dividia a herança entre o irmão de Regina e o sobrinho dela. A divisão dos bens também vai ser decidida na Justiça.
Regina diz que quer punição.
“Quando uma pessoa age do jeito que ele agiu e tem agido? O que merece? Ser punido. E tem que ser punido.”
Os advogados de Regina dizem que vão contestar a escritura de união estável entre os dois. A família também quer afastar o ex-motorista da gestão do patrimônio de dona Regina.
Ao lado de amigas, a promessa é ver o show da Madonna, na praia de Copacabana, na próxima semana.
E, agora, aos 88 anos, dona Regina diz querer tirar as películas que deixam as janelas escuras. E viver.
“Quero voltar a ser feliz. Porque pra mim tudo é festa.”