Ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), José Júlio Senna avalia que o BC brasileiro não conseguirá dar sequência ao ciclo de queda da taxa básica de juros no curto prazo.
Neste mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual, para 10,50% ao ano, e interrompeu um ciclo de seis cortes consecutivos de 0,50 ponto porcentual. Também não deu nenhuma indicação sobre os próximos passos.
“No quadro atual e dado o diagnóstico apresentado pelo Banco Central em caráter unânime tanto no comunicado, mas principalmente na ata, eu vejo condições zero de o juro no Brasil continuar caindo, especialmente no curto prazo”, afirma.
Na tarde de sexta-feira, 24, o Centro de Estudos Monetários promove o X Seminário Anual de Política Monetária. Além de debater o cenário internacional e local, o evento será uma homenagem a Affonso Celso Pastore, que presidiu o Banco Central na década de 1980 e faleceu em fevereiro, aos 84 anos.
“Todos os participantes desse evento tiveram, ao longo de suas trajetórias, vínculos próximos com o Pastore. Nutriam e nutrem uma grande admiração por ele. E o que cabe destacar é que é uma homenagem conjunta. São duas instituições envolvidas. O Ibre e o Banco Central”, afirma Senna.
A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual a leitura o sr. faz da última decisão do Copom?
Eu destacaria a enorme importância de uma ação rápida do Banco Central do Brasil. Desde o começo do ano, diversas variáveis macroeconômicas externas e domésticas vinham apresentando uma deterioração importante. Num certo sentido, lamentavelmente, no mundo, começou-se a perguntar coisas do seguinte tipo: será que a inflação parou de cair? A coisa já não estava andando bem, quando aconteceu a revisão das metas fiscais aqui no Brasil e o quadro referente à perspectiva de queda de juros nos Estados Unidos se agravou. Na época, inclusive, a temperatura no Oriente Médio estava em alta. Houve um choque importante no dólar e nos mercados internacionais. E, no Brasil, por motivos internos e externos, a taxa de câmbio estava mostrando uma depreciação rápida. Estamos falando de meados de abril. E foi ali que o presidente (do Banco Central, Roberto Campos Neto) deu um sinal de mudança da orientação (No mês passado, num evento em Nova York, Campos Neto havia indicado redução do ritmo de cortes).
E qual é a avaliação do sr. sobre essa mudança?
O que o presidente do Banco Central do Brasil fez foi exatamente o que o presidente do banco central americano deveria ter feito há muito tempo nos Estados Unidos. Ou seja, expor-se mais e revelar uma postura mais contundente e firme de prioridade para o combate à inflação, para a convergência da inflação para a meta. Na minha opinião, a resposta do Banco Central foi muito oportuna, em cima do laço e tinha de ser feita. Sobre as questões internas, eu não tenho condições de opinar. Eu diria que a decisão foi correta. Era fundamental um sinal forte naquele momento e esse sinal foi dado. Acho que esse é o ponto fundamental acerca do que aconteceu recentemente.
As expectativas de inflação no Brasil estão piorando. O que esperar daqui em diante?
No quadro atual e dado o diagnóstico apresentado pelo Banco Central em caráter unânime tanto no comunicado, mas principalmente na ata, eu vejo condições zero de o juro no Brasil continuar caindo, especialmente no curto prazo. Mais adiante muita água vai passar debaixo da ponte e a gente não sabe o que vai acontecer. Mas, de pronto, não vejo motivo objetivo que justifique dar continuidade ao ritmo de queda de juros. Agora, tudo isso nós vamos debater no X Seminário Anual de Política Monetária, na próxima sexta-feira, 24.
O encontro fará uma homenagem ao Pastore. Qual é a expectativa do sr. para o evento?
Teremos uma abertura do presidente do Banco Central. E haverá um primeiro bloco no qual os economistas falarão sobre a história e o legado do Pastore. Ele manteve, ao longo de sua vida, vínculos muito próximos com a Fundação Getúlio Vargas e com o Ibre, em particular. O Pastore participou dos nove seminários anteriores. Foi coordenador desde o começo do Codace, que é o Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos. Também foi professor da EPGE. Ele sempre manteve vínculos afetivos e profissionais com a Fundação, de modo geral. Esse décimo seminário é uma homenagem a ele. E o que cabe destacar é que é uma homenagem conjunta. São duas instituições envolvidas nessa homenagem: o Ibre e o Banco Central. Todos os participantes desse evento nutriam e nutrem uma grande admiração por ele.
No primeiro bloco, teremos o Samuel Pessôa, o Marcos Lisboa e a Zeina Latif tratando da história e do legado do Pastore. Antes de passar para o debate, que será no segundo bloco, teremos o depoimento do Paulo Picchetti, que conviveu com o Pastore no Codace e hoje é diretor do Banco Central. No debate, a ideia é ter a abertura feita pelo Afonso Bevilaqua, diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional. E no debate propriamente, teremos o Mario Mesquita, o Eduardo Loyo e eu.
Quais serão os temas debatidos?
A política monetária lá fora e aqui dentro. O Fed tem sido obrigado a postergar a convergência da inflação. A inflação americana tem mostrado uma persistência importante. E quais são os verdadeiros motivos por trás dessa postergação? Será que a política monetária tem sido realmente restritiva como sustentam os dirigentes do Fed? E óbvio que, por trás dessa discussão, existe um debate que seguramente vai ficar muito claro durante o seminário sobre o patamar do juro neutro dos Estados Unidos. O que parece é que o Fed tirou um pouco o pé do freio monetário de alguma maneira. Eu vou explorar isso. E a pergunta é: como isso afeta a política monetária no Brasil e de que modo tem de ser levado em conta na condução da política dos juros aqui dentro?
E as questões sobre o Brasil, quais devem ser levantadas?
Há o problema da desancoragem das expectativas. É até possível, eu diria, levar a inflação para meta com as expectativas desancoradas, mas o custo é muito alto e não há garantia de que o Banco Central consiga manter a inflação na meta. É fundamental que se criem condições para a inflação permanecer na meta e, com as expectativas desancoradas, isso se torna uma coisa muito difícil. E um dos pontos-chave é que, hoje, o Banco Central tem muita dificuldade para exercer o mínimo de controle sobre as expectativas, porque, aparentemente, essa desancoragem tem a ver com outros fatores e não propriamente com a política monetária. Tem a ver com questões fiscais e com a mudança de comando no Banco Central, por exemplo.