Não é difícil reconhecer a criança que não recebeu a formação básica para se inserir numa vida social para além do seu núcleo familiar. Isso se percebe não por aspectos do intelecto ou lacunas no conhecimento, mas por certas atitudes cristalizadas.
Via de regra, é aquele menino ou menina que, na escola, não gosta de exigências, recusa responsabilidades, dispensa obrigações, foge dos desafios e prefere ganhar pronto nas mãos o que poderia aprender a fazer por si mesmo. Em geral, é a criança que não cumpre as requisições educativas mais elementares, como atender e ser solícito simplesmente ao que lhe pedem os seus professores.
Na educação especial isso também ocorre e há quem coloque tal tipo de comportamento na conta de eventuais “deficiências” da pessoa. Será? Penso que nem sempre é assim. Uma coisa são as dificuldades assentadas em elementos de ordem orgânica – respeitáveis e compreensíveis. Outra, são os maus costumes adquiridos e mantidos por causa de uma má educação no ambiente familiar.
Precisamos entender o seguinte: ao chegar à escola, a criança – tenha ela necessidades especiais ou não – já possui certa bagagem cultural, isto é, um acúmulo de experiências, noções, hábitos, representações, conhecimentos e comportamentos, que adquiriu em casa nos primeiros anos da vida. Às vezes, essa educação obtida no lar se choca contra a educação que os professores buscam dar na escola, o que traz problemas para o trabalho educativo.
Infelizmente, muitos pais e mães de crianças com necessidades especiais reproduzem e reforçam nos filhos atitudes infantis, que inibem o seu desenvolvimento, impedem a superação de limites e obstaculizam a compensação das dificuldades pela formação de novas qualidades psicológicas e motoras positivas.
É o que ocorre, por exemplo, quando a criança aprende em casa a ver a si mesma como um permanente “reizinho”, que deve ser servido e adulado constantemente por quem estiver ao redor. Na escola, vai pretender que façam o mesmo, apenas satisfaçam suas vontades e o dispensem de seguir certas regras escolares que todos precisam cumprir – como respeitar os professores. Infelizmente, situações assim são comuns e é lamentável que se pense que isso seja, de fato, “inclusão”.
Há alternativa? Sem dúvida. Ensinar, desde cedo, progressivamente, as crianças com necessidades especiais a serem autônomas e responsáveis em ambientes coletivos e fora do lar. Como fazer isso? O filósofo italiano Antonio Gramsci nos dá uma sugestão:
“Usar a autoridade que vem do afeto e da convivência familiar para fazer exigências à criança, de modo afetuoso e amoroso, mas com rigidez e firmeza. Sem isso, a educação será o resultado da influência casual dos estímulos do ambiente sobre ela. Antes da puberdade, a personalidade da criança ainda não se formou e é mais fácil guiar sua vida, fazê-la adquirir hábitos de ordem, disciplina e trabalho: depois, fica bem mais difícil.”
Portanto: exigência, rigidez e firmeza, combinados ao afeto e à amorosidade no convívio familiar. Ressalte-se: antes da puberdade, porque após esse período a personalidade se torna mais resistente a sugestões educativas vindas dos adultos.
Deve-se, pois, ensinar às pessoas com necessidades especiais, já em tenra idade, a importância do esforço, do trabalho metódico, da disciplina, da organização, do autocuidado, da autonomia, da diligência e do respeito ao outro, a fim de que vivam não isoladas em casa – como muitos até hoje -, mas em sociedade, onde serão capazes de cumprir responsabilidades e estabelecer para si mesmas propósitos elevados e significativos de vida. Este é o modo mais generoso de encaminhar sua formação pessoal, levando-se em conta realmente suas potencialidades e virtudes como sujeitos humanos.
(*) Demetrio Cherobini, professor da rede municipal de Santa Maria, é licenciado em Educação Especial e bacharel e Ciências Sociais pela UFSM, mestre e doutor em Educação pela UFSM e pós-doutor em Sociologia pela Unicamp.