A D3e (Dados para Um Debate Democrático na Educação) lançou há pouco mais de um mês a nota técnica “Educação integral em tempo integral: caminhos e desafios”. O trabalho é assinado por Luciane Alaíde Alves Santana, Everson Meireles e Paulo Gabriel Soledade Nacif, professores e pesquisadores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). O texto mostra que o cenário está longe do ideal.
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), em 2022 o Brasil tinha 18% dos alunos matriculados na educação integral. Isso dá 6,4 milhões de estudantes entre educação infantil e ensinos fundamental e médio. A meta para 2024 era chegar a 25% no mínimo, mas a média nacional não deve passar de 20%, o que dá em torno de 7,4 milhões de alunos em um universo de 35 milhões de estudantes.
Além disso, os dados mascaram desigualdades regionais. No Norte, somente 8,4% das matrículas são de período integral. Já no Nordeste, a taxa prevista para este ano, 23% das matrículas, é a mais próxima da meta nacional. Ainda assim, esconde diferenças, pois é puxada basicamente por dois Estados com programas educacionais mais sólidos, Ceará e Piauí.
A tradicional falta de continuidade nas políticas públicas também é fator que dificulta o avanço da educação em período integral. O foco se modifica a cada governo, quase não há planos de médio e longo prazo, a maioria se limita a uma gestão, e quando passam para a gestão seguinte não raro sofrem mudanças pelo novo governo, comenta Antonio Bara Bresolin, diretor-executivo da D3e. O atual programa do governo federal, por exemplo, só está estruturado até 2026, ano do fim do mandato.
No trabalho, a D3e propõe que o modelo de educação integral deveria ser buscado pela educação pública visando não só a quantidade, mas também a qualidade. A ideia é de que não basta oferecer acolhimento de sete horas ou mais para os alunos se a escola não estiver equipada para tornar a experiência do ensino integral produtiva.
Isso inclui dispor de “recursos materiais, didaticopedagógicos, condições da rede física, recursos humanos e financeiros necessários para desenvolver as atividades pedagógicas”, diz o texto. Requer também “qualificação permanente do corpo docente e demais trabalhadores da escola, bem como o envolvimento e a participação ativa de toda a comunidade”.
“A questão do financiamento a esses programas é muito sensível e muito importante, porque o ensino integral envolve não só a manutenção das escolas com toda a infraestrutura e aparelhagem necessárias, mas também transporte e alimentação escolar”, diz Bresolin. “Alunos socialmente mais vulneráveis só conseguem ficar na escola por pelo menos sete horas se houver alimentação adequada e reforçada.”
A falta de recursos não deveria ser um problema. O Brasil tem gasto cada vez menos com educação. E parte disso se deve ao processo de transição demográfica. A redução da natalidade, o aumento da expectativa de vida e o consequente envelhecimento médio da população brasileira diminuíram o número de alunos. Inep e IBGE mostram redução das matrículas ano após ano. O problema é como investir os recursos que “sobram”.
O diretor da D3e acha que seria uma boa oportunidade de investir em educação de mais qualidade e combater o abandono escolar. As taxas de evasão do ensino fundamental e, principalmente, do médio são altas. Muitas vezes motivadas por questões econômicas. O aluno é obrigado a contribuir com a renda da família por questão de sobrevivência – situação que se agravou com a covid-19. Uma política que contemple ao menos a redução da pressão financeira das famílias pode ser o caminho para melhorar a educação e encurtar a distância do Brasil para economias mais avançadas. (Por ser anterior a ele, o trabalho não analisa o programa Pé-de-Meia.)
No último Pisa (programa internacional de avaliação de estudantes), os alunos brasileiros de até 15 anos ficaram em 65º lugar em matemática, 64º em leitura e 74º em ciências num ranking de 81 países.
Paulo Totti
No início de 2019, voltei de férias, encontrei Paulo Totti e o convidei para um café.
Sempre bem-humorado, ele me perguntou para onde tinha viajado e o que mais havia feito “de útil”. Disse: “Totti, acabei de ler ‘Operação Condor’”. Com os olhos marejados, ele pensou por alguns segundos e respondeu: “Eu nunca havia contado essa história antes”.
Em seguida, Totti, que gostava de brincar com nossa diferença física, ele franzino, eu corpulento, me envolveu com seus braços curtos para minha circunferência em um dos abraços mais afetuosos que já recebi. Nunca mais conversamos sobre isso.
O livro de Luis Cláudio Cunha (“Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios”, L&PM, 2008) relata operações militares conjuntas das ditaduras de Brasil, Uruguai e Argentina. Uma passagem conta como o jovem repórter Paulo Totti foi preso e torturado pela repressão em Porto Alegre.
No fim da semana passada, perdemos a graça, a leveza, o carisma, a inteligência, o companheirismo e a dignidade de Paulo Totti, profissional exemplar, ser humano magnífico. Se todos os jornalistas – para não dizer todas as pessoas – tivessem 10% das qualidades de Totti, o jornalismo brasileiro e o mundo seriam melhores.
A íntegra da nota técnica da D3e está em d3e.com.br/wp-content/uploads/nota-tecnica_2403_educacao-tempo-integral-desafios.pdf
Eduardo Belo é editor de Brasil
E-mail: eduardo.belo@valor.com.br