“Rivais” chegou a ser anunciado como filme de abertura do Festival de Veneza do ano passado, mas a greve dos atores, que inclui entre suas ações a não participação dos elencos em campanhas de lançamento, levou ao adiamento da estreia e, consequentemente, à sua retirada do festival.
Quase um ano depois, o novo longa-metragem do diretor italiano Luca Guadagnino (“Me Chame pelo Seu Nome”, “Até os Ossos”) entrou um tanto discretamente em cartaz nas salas de cinema, mesmo com o empenho promocional de seu trio de protagonistas — Zendaya, Mike Faist e Josh O’Connor.
Curiosamente, “Rivais” estreou no Brasil no mesmo dia de “La Chimera”, que foi tema desta coluna e também traz como estrela o jovem ator inglês Josh O’Connor. Aqui, ele reafirma seu talento e demonstra versatilidade em um papel muito diferente — o jogador de tênis Patrick, envolvido em um triângulo amoroso que tem como outros vértices o amigo/rival Art (Mike Faist, de “Amor, Sublime Amor”) e a empresária/treinadora Tashi (Zendaya).
A fragilidade aguda do ladrão de relíquias Arthur, personagem de O’Connor em “La Chimera”, também se apresenta no tenista Patrick, mas em outra chave. Quando o filme começa, ele está completamente sem dinheiro, participando de campeonatos regionais sem expressividade (os “desafios” — “challengers” — do título original).
Apesar de ser um veterano e de, no passado, ter sido uma grande promessa do tênis mundial, sua carreira não decolou. Quem seguiu uma trajetória de sucesso foi Art, mas que, nesse momento, também se encontra em um estado de fragilidade, perdendo sucessivas partidas em meio à imensa pressão para conquistar o único título que ainda não possui entre os maiores campeonatos mundiais (o US Open).
Na tentativa de dar uma virada na sucessão de derrotas e recobrar confiança, sua mulher e empresária, a ex-jogadora de tênis Tashi, sugere que ele se inscreva em um desses campeonatos regionais — que será, justamente, aquele em que Patrick busca o título e alguma recuperação moral e financeira. Detalhe: no passado, Art nunca conseguiu ganhar de Patrick. O que deveria ser uma sucessão de vitórias fáceis para ganhar confiança se torna um pesadelo e um multiplicador da pressão pela vitória.
Tudo o que levei três parágrafos para descrever é colocado na mesa nos primeiros minutos do filme de forma superágil, o que estabelece um ritmo acelerado a partir do engenhoso roteiro de Justin Kuritzkes. A partir desse ponto de partida, sucessivas idas e vindas no tempo revelam detalhes do passado dos três, que justificam a complexidade do momento.
Muito além de um filme sobre esporte, “Rivais” é um melodrama contemporâneo que escrutina minuciosamente as relações entre amor, desejo e poder. O ritmo é frenético — os jovens não têm do que reclamar —, sob o metrônomo da música eletrônica proposital e agradavelmente excessiva da dupla Trent Reznor e Atticus Ross.
Guadagnino abandona o paralelismo dos primeiros minutos de filme para abraçar por completo uma estrutura visual triangular, formada não só pelo trio de protagonistas, mas também pelo posicionamento dos jogadores em quadra e o ponto de vista de quem observa a partida (com direito àquele movimento regular do pescoço, de um lado para o outro).
Talvez não seja por acaso que Serge Daney, o grande crítico de cinema francês, tenha escrito também sobre tênis — em particular sobre o lendário John McEnroe. Seus textos foram até mesmo base para um ótimo documentário ensaístico que leva o nome do campeão americano, dirigido por Julien Faraut, em 2018.
Mais do que qualquer outro, o tênis é um esporte do olhar. Guadagnino explora essa característica com planos frontais que assumem a perspectiva dos jogadores e, eventualmente, da plateia — sobretudo na partida decisiva, eixo dramático do filme, em que Tashi está estrategicamente sentada no meio da primeira fila da arquibancada.
Complexo e ao mesmo tempo sedutoramente simples na sua estrutura entre o melodrama romântico (com direito à belíssima versão de Caetano Veloso para “Pecado”, do álbum “Fina Estampa”) e a tragédia (no sentido de cumprimento de um destino catártico), “Rivais” é um raro filme para adultos, que pensa e filma o esporte e o sexo com energia e inteligência. Guadagnino é um cineasta sem pudores, que não tem medo de levar algumas práticas e ideias aos seus extremos. Nem sempre dá muito certo — mas, aqui, o resultado é bastante feliz.
Rivais (EUA/Itália, 2024) Dir: Luca Guadagnino. Dist.: Warner. Em cartaz. Cotação: ****