As pesadas perdas econômicas com a tragédia no Sul podem ser compensadas pelo enorme esforço de reconstruir cidades e parque produtivo, escreve José Paulo Kupfer
A tragédia sem precedentes das enchentes no Rio Grande do Sul terá óbvio impacto sobre a marcha da economia em 2024. Mas tanto os efeitos negativos, com o colapso abrupto dos negócios, quanto os impulsos derivados dos esforços de reconstrução do que se foi água abaixo, ainda não podem ser devidamente medidos.
Cálculos superficiais das perdas já foram incorporados nas estimativas para a evolução da economia. Esses cálculos apontam perda de 0,3 a 0,5 ponto percentual. Assim, as previsões mais recentes de um crescimento de 2,5% em 2024 estão recuando para expansão mais perto de 2%.
No último Boletim Focus, divulgado na 2ª feira (20.mai.2024), as projeções para a evolução do PIB (Produto Interno Bruto), neste ano, recuaram de 2,09%, uma semana antes, para 2,05%. Nas projeções mais atualizadas do Focus, com as estimativas dos últimos 5 dias úteis, o PIB fecharia o ano com alta de 2,02%.
Embora não represente mais do que 6,5% de toda a produção anual de bens e serviços brasileiros, o desastre na economia gaúcha foi de tal magnitude que pode fazer com que o PIB do 2º trimestre seja negativo. Essa é a hipótese dos economistas da FGV-RJ, que elaboram o Monitor do PIB, acompanhamento mensal da evolução da atividade econômica.
Ocorre que o presumível soluço no 2º trimestre pode ser compensado –e superado– pelo efeito positivo na atividade da recuperação dos prejuízos. Se ainda não é possível capturar todas as perdas, muito menos é possível projetar o impulso dos esforços de repor equipamentos e retomar a produção nas fábricas, no campo, e, muito mais do que isso, na reconstrução das cidades.
Pode-se imaginar a enorme mobilização de recursos que será demandada para a reconstrução de um Estado em que mais de 90% de seu território foi atingido pelas águas. Não é improvável que a atividade econômica dê um salto, já a partir do 3º trimestre, mas, com efeitos mais amplos nos últimos meses de 2024 e mais à frente.
Até a crise gaúcha, a economia marchava em ritmo bastante razoável. As estimativas disponíveis indicam crescimento de 0,5% a 0,7%, no 1º trimestre, na comparação com o último de 2023. Se esse ritmo se repetisse nos demais 3 trimestres do ano, o crescimento se aproximaria de 3%. Com o avanço previsto, a evolução da atividade, em relação ao 1º trimestre de 2023, exibiria alta de 2,3%.
Consumo das famílias e investimento, na visão de economistas que acompanham a conjuntura econômica, impulsionaram a atividade, no 1º trimestre. Calcula-se que o consumo das famílias avançou 1,5% sobre o 4º trimestre do ano passado, e robustos 4,4%, na comparação interanual.
Por trás dessa expansão estão o pagamento de mais precatórios atrasados e reajustes em benefícios sociais vinculados à política de elevação do salário mínimo acima da inflação, além da ampliação do Bolsa Família. Traduzindo, programas sociais e política fiscal expansionista na veia encorparam a absorção de mão de obra no mercado de trabalho e, em consequência, a ampliação da renda, esquentando a atividade.
No caso dos investimentos, o avanço, no 1º trimestre, em termos proporcionais, foi ainda mais forte. A aplicação de recursos em criação, ampliação e modernização, assim como na construção civil resultou numa alta de 4,8% sobre o último trimestre de 2023 e de 3,4%, na comparação interanual. O empurrão veio dos cortes nos juros básicos, o que, na esteira da melhora no mercado de trabalho e na renda, também aumentou o nível da concessão de crédito a pessoas físicas.
O resumo da história é que a atividade econômica deverá mostrar expansão em 2024, depois de crescer acima do previsto em 2023. Confirmada a pior das hipóteses do momento para este ano —alta de 2%—, no fechamento de 2024, a economia terá crescido bons 5% sobre 2022.