O Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco ex-agentes da ditadura por envolvimento na morte de Carlos Marighella, assassinado em uma emboscada em 4 de novembro de 1969, na Alameda Casa Branca, nos Jardins, em São Paulo.
A ação envolveu quase 30 oficiais ligados ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury.
Marighella era dirigente da Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização de resistência armada ao regime militar.
Entre os denunciados estão quatro ex-agentes que participaram do ataque a Marighella na noite de 4 de novembro. Amador Navarro Parra, Djalma Oliveira da Silva, Luiz Antônio Mariano e Walter Francisco devem responder por homicídio qualificado. Segundo o MPF, eles estavam distribuídos nas sete equipes que atuaram nos arredores da Alameda Casa Branca, para matar o militante político, então considerado o “inimigo público número um” da ditadura.
O quinto denunciado é o ex-integrante do Instituto Médico Legal (IML) Harry Shibata, acusado de falsidade ideológica. De acordo com o MPF, ele foi um dos peritos que forjaram o laudo necroscópico de Marighella, com a omissão de informações que demonstravam a ocorrência da execução sumária. O documento deixou de apontar, por exemplo, as evidências sobre a curta distância dos tiros e a descrição de lesões que indicavam a tentativa da vítima de se proteger dos disparos, segundo a procuradoria.
O g1 não localizou a defesa dos acusados.
Pouco antes de sua morte, integrantes da ALN e pessoas ligadas a Marighella foram capturados pelas forças de segurança e, sob intensa tortura, revelaram informações que viabilizaram o planejamento da execução sumária do líder. Entre essas vítimas estavam frades dominicanos que prestavam apoio à ALN e mantinham contato constante com Marighella.
Na noite da emboscada, o dirigente da ALN foi à Alameda Casa Branca para um encontro marcado com dois dos religiosos. A conversa seria no interior de um carro frequentemente utilizado para essas ocasiões. Após entrar no veículo, o militante foi surpreendido por Fleury e sua equipe, que monitorava toda a situação nas imediações. Marighella tomou pelo menos quatro tiros. Desarmado, ele não teve chance de defesa e morreu imediatamente.
Segundo o MPF, laudos periciais comprovam que os disparos foram feitos a curta distância. “Os dados técnicos desmentem a versão oficial de que a vítima teria reagido a uma tentativa de prisão e buscado atirar contra os agentes. Um revólver supostamente pertencente a Marighella só foi enviado ao Instituto de Criminalística 22 dias depois da emboscada. A análise revelou que a arma não tinha impressões digitais do militante nem sinais de avarias, embora, segundo a versão do Dops, Marighella a portasse em uma pasta que ficou totalmente perfurada pelos tiros”, diz a Procuradoria.
“O que se verifica é que, desde o início, a intenção da repressão era matar Marighella, e não o prender com vida”, ressaltou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, autor da denúncia.
De acordo com o MPF, a morte do chefe da ALN é considerada um crime contra a humanidade, para o qual não se aplica a anistia nem a prescrição, conforme compromissos internacionais assumidos pelo país.
O Brasil já foi condenado duas vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por atos de violência e perseguição praticados entre 1964 e 1985. O país aderiu voluntariamente à jurisdição do órgão e, portanto, é obrigado a cumprir suas sentenças. Segundo as decisões, o Estado brasileiro deve empreender as medidas necessárias para investigar e responsabilizar ex-agentes da ditadura envolvidos em casos de tortura, morte e desaparecimento forçado.