Ausência histórica de diversidade nos materiais didáticos, além da afasia racial nos currículos dificulta aprendizagem de estudantes não brancos, escreve Zara Figueiredo Tripodi
Desde pequenos, somos ensinados na escola que o dia 13 de maio é um dia importante porque é quando celebramos a abolição da escravatura, por meio da assinatura da Lei Áurea, pela princesa Isabel.
Por certo, a formalização do fim do regime escravocrata não é um ato trivial. Contudo, sabemos que entre o ordenamento jurídico e a realidade social, por vezes, há lacunas consideráveis.
Não por outra razão, 14 de maio é reivindicado pelos movimentos negros como a data que simboliza o dia seguinte a uma abolição inacabada e a busca por direitos, depois do fim formal da abolição em 13 de maio.
Por isso, o Ministério da Educação publicou na 3ª feira (14.mai.2024) a portaria 470 de 2024, que institui a PNEERQ (Política de Equidade e Educação para as relações raciais e educação escolar quilombola).
Há exatamente 1 ano, o Ministério da Educação trabalha de forma incansável para que o país possa ter uma política educacional de Estado antirracista. Do mesmo modo que a Lei Áurea não representou uma transformação efetiva nas relações de poder entre brancos e negros; mais contemporaneamente, também a lei 10.639 de 2003, modificada pela 11.645 de 2008, ainda foi consolidada plenamente, em termos de uma educação antirracista.
A lei 10.639, resultante das lutas do movimento negro contra as desigualdades raciais na educação, foi a primeira assinada pelo presidente Lula na sua 1ª gestão, mas que também se constitui como uma transformação inacabada.
Transcorridas mais de duas décadas, o que os dados do Censo Escolar (2023) nos mostram é que só 1,5% dos gestores e 0,92% dos professores tinham alguma formação de, pelo menos, 80 horas, em educação das relações étnico-raciais.
Também inexistem protocolos oficiais para que os profissionais saibam como prevenir e responder a episódios de racismo dentro das instituições de ensino.
Outra dimensão de uma transformação inacabada é a aprendizagem. Quando olhamos para a proficiência medida pelo Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), notamos que a média alcançada por um estudante preto, em leitura, no 5˚ ano, em 2019, é a mesma que seu colega branco alcançou em 2009, portanto, 10 anos antes.
Obviamente, essa defasagem está relacionada à ausência histórica de diversidade nos nossos materiais didáticos e nas nossas escolas, a afasia racial nos currículos, além da frágil formação inicial e continuada para a educação das relações étnico-raciais.
A PNEERQ levou em consideração as mais sólidas evidências científicas em torno das desigualdades educacionais étnico-raciais e buscou enfrentar os desafios postos. É uma política com uma coordenação federativa bem definida e incentivos positivos para as redes, principalmente, as mais desiguais.
Além disso, temos os eixos de diagnóstico e monitoramento, formação, material didático e paradidático, reconhecimento e valorização de iniciativas antirracistas, implementadas pelas redes, com a criação do Selo Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, instituição de protocolos de prevenção e respostas ao racismo em instituições de ensino, e um conjunto de ações voltadas à difusão de saberes da cultura e história afro-brasileira.
Desde 21 de março, em comemoração ao Dia Internacional do Combate à Discriminação Racial, o MEC começou o diagnóstico da implementação da lei 10.639 de 2003 em todas as redes públicas de ensino no país.
Já são 93,6% de respostas, com cerca de 5.237 questionários respondidos e enviados, em parceria com Undime, Consed, Atricon e Copeduc.
Estamos cientes dos inúmeros desafios que envolvem o racismo que estrutura as relações e instituições brasileiras, mas o MEC, junto com as redes municipais e estaduais de educação, com o apoio constante do movimento negro, está pronto para esse enfrentamento.
A política de equidade, educação para as relações étnico-raciais e educação escolar quilombola (PNEERQ) é parte do compromisso do MEC com uma política de Estado educacional antirracista.